Capítulo 27



O pai foi para o escritório apenas de manhã, e à hora de almoço estava em casa, sentado à mesa a olhar impacientemente para o relógio, à espera que o almoço ficasse pronto. Por isso, preparei a lasanha muito antes da hora prevista e, com as dores de barriga que tinha, fui descansar para o quarto. A questão das cartas invadiu-me os pensamentos, e dei comigo a vasculhar, uma caixinha lilás, que tinha na minha mesa-de-cabeceira, os dois papéis, a fim de examina-los com toda a atenção. Talvez houvesse algum pormenor menos evidente do qual eu pudesse tirar alguma conclusão. Mas a carta, como seria de esperar, estava escrita a computador.
E estava impecável; sem manchas, sem vincos e perfeitamente dobrada. Aquela perfeição irritava-me tanto que levava ao desespero. Se o "confidencial" não se apresentar, o que eu acho que é o mais provável, eu nunca saberei quem me está escreve-las. Deitei-me de barriga para baixo na cama e fechei os olhos, a tentar relaxar. Mas, em vez de relaxar, fiquei ainda mais nervosa. Imagens da minha mãe, iguais às daquela noite, surgiram na minha cabeça. A sua face coberta de sangue sentada naquela poltrona, dentro de casa transformada numa autêntica casa do terror, arrepiou-me, a minha testa ficou molhada de suor e logo me levantei da cama para não pensar em mais nada.



Lavei a cara com água fria e, nesse momento, chegou o meu pai. Uma vez mais, tive que lhe esconder tudo o que eu estava a sentir. Já não suportava mais aquela situação, precisava de desabafar com alguém. A minha angústia já começava a sufocar-me, e eu tinha medo de não resistir a uma depressão ou alguma doença psicológica. Eu tinha de pedir ajuda e o mais rápido possível.



Desci as escadas, desta vez envernizadas… sim, desta vez não estou a alucinar, e fui ver como estava a lasanha que estava a preparar e que o meu pai tanto queria comer.
- Cheira a lasanha! - Disse o meu pai super animado.
E dizendo aquilo, começou a trautear uma música dos anos 60 que agora passava muito na rádio, coisa que tem acontecido muito, músicas da “idade da pedra” a passarem nas rádios mais modernas. E enquanto cantava a sua amada canção comia a lasanha como um bebé. Sujou a camisa azul-turquesa e a toalha de mesa. Estava tão contente, que não tive coragem de o chatear com os meus problemas.
- O que achas de irmos ao parque dar um passeio? Passar algum tempo em família... olha, até podias levar a tua bicicleta, há muito tempo que não andas nela...
- Pai, isso é porque já não caibo nela! - Exclamei.
- Isso é um Sim à minha proposta?
- Claro! - Disse. Sou demasiado simpática para negar a proposta tão entusiasmada do meu pai.
Ele sorriu-me e ajudou-me a arrumar a cozinha, enquanto eu punha apressadamente uma garrafa de água e um pacote de bolachas na minha mala, para o caso de ter fome no parque.
Abri a porta de casa tapando os olhos com a mão pelos intensos raios de sol do meio-dia que iluminavam a cidade. Entrei no carro e pouco tempo depois entrou o meu pai que, esfregando as mãos pelo entusiasmo, disse:
- Vamos lá!



O jardim era grande e maravilhoso. Tinha bancos ao estilo medieval, mesas de piquenique e colinas verdejantes onde as crianças faziam cambalhotas e rebolavam. Havia também um parque que continha dentro das suas vedações baloiços e escorregas que brilhavam com os raios de sol a incidirem no seu metal e uma banca de cachorros quentes. Subitamente, reconheci aquele lugar. Era onde o meu pai me levava para aprender a andar de bicicleta. As saudades que eu tinha...! Eram tardes bem passadas. Comíamos cachorros quentes, brincávamos até nos fartarmos e quando chegávamos a casa, já nem sequer jantávamos e caiamos redondos na cama. Só acordávamos à uma hora do dia seguinte. O meu pai preparava omeletas com queijo e fiambre e era esse o nosso almoço. Só eu sabia o quanto sentia falta desses tempos.
- Alô! Mel?! Queres um cachorro quente ou não?



- O quê? Huh, sim, sim… quero.
Dei uma pequena palmada na minha testa dizendo para mim própria: “Acorda!”. Mas tive de parar por uma criança olhar para mim, com um gelado a derreter na sua mão, embasbacada e irritantemente fixada na minha cara pela minha atitude.



Eu e o meu pai sentámo-nos num banco de jardim a comer cachorros-quentes.



Consegui reparar na cara de satisfação do meu pai por estar ao meu lado, a reviver sensações e sabores do passado. Eu estaria muito bem-disposta naquele dia, falando alegre e entusiasmadamente com o meu pai, se não fossem os meus pensamentos a falarem mais alto.
Fiquei a observar as crianças a divertirem-se. Umas baloiçavam juntamente com inúmeras risadas, outras faziam escavações na areia com um parceiro que tinham conhecido naquele momento, que, provavelmente, lhes pediu para brincar com eles. Pareciam tão felizes… E não é aquele tipo de felicidade que todas as pessoas pensam: Ser rico, ter uma casa de luxo e um grande jardim verdejante com uma grande piscina e espreguiçadeiras das quais só se levantam duas horas depois de uma sesta. Não. É aquele tipo de felicidade em que nos limitamos a pensar nas coisas boas da vida, e não nas más. Aquela felicidade em que temos gosto em acordar de manhã, com aquele Sol morno a bater-nos na cara, e sabermos que temos algo para fazer que valha a pena acordar. Aquela felicidade em chegarmos à sala ou à cozinha e termos uma grande família à nossa espera dizendo em uníssono: “Bom dia!”. É a melhor sensação do mundo…
- Melody!? – Chamou o meu pai, aparentemente pela milionésima vez.
- O quê?
- Caramba! O que se passa contigo, filha? Queres mais um cachorro?



- Não, não é preciso. Já estou cheia.
- Então o que queres? – Insistiu o meu pai. – Não te tens sentido muito bem ultimamente. O que se passa?
- Nada! Porque dizes isso?
- Porque sinto que estás um pouco em baixo! São problemas lá na escola?
- Oxalá que fossem… - Sussurrei.
- O quê?
- Não pai… não são problemas na escola. Eu estou bem! A sério!
O que era suposto fazer era divertir-me, mas ainda consegui ficar mais abalada. Estou mais frágil do que uma folha fina de papel molhada…

5 Response to "Capítulo 27"

  • João Says:

    Bem, tá perfeito!!
    Quero mais!
    A Mel anda mesmo mal...
    Esperemos que melhore! ^^


  • mmoedinhas Says:

    Pobre Mel... Tsc tsc Eu tambem ficava assim se visse a minha mae daquela forma... Abre-te miuda! Conta ao pai! Eu cada vez que a vejo so me apetece gritar isto vezes sem conta ao ouvido dela!
    E outra coisa: Tudy queres por os teus sims gordos? Este capitulo teve a presença constante de comida xD Acabam de comer lasanha, depois vao enfardar com cachorros e a mel ainda tem a dignidade de por bolachas e agua na mala! xD

    Deg deg


  • Diogo Says:

    Adorei tanto. nem imaginas! compreendo-a mais do que devia! PARABENS E ESPERO PELO PROXIMO COMO SEMPRE ;)! 5 estrelas


  • Tudy Says:

    OHH, muito obrigado a todos!

    mmoedinhas, LOOOOOL, também já pensei nisso, a Melody vai ter de entrar na equipa de Rugby do Jake para queimar umas gordorinhas... hahahaha


  • Mr.Lis Says:

    La vem o parvo sem criatividade nos comentários xD

    Gostei Muito!!


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