Capítulo 29

Sentei-me repentinamente no sofá, cruzando os braços com o meu descontentamento. Quase não me sentia em mim. Pouco tempo depois, o meu pai também se sentou na sua poltrona preferida, onde costuma ver os seus sagrados jogos de Futebol e às vezes adormecer durante os curtos intervalos.
- Mel, o que ela disse é verdade? - Perguntou o meu pai - De ela ser simpática e prestável com vocês?
- Achas, pai?! Ela só sabe ser simpática com os produtos de beleza dela e com as roupas de marca.
O meu pai riu-se e esticou-se até a mesa de centro para tirar do boião de vidro um rebuçado de café, que desembrulhou sonoramente, pousando o plástico no cinzeiro de pedra fumada.
- Nem sequer consigo acreditar na quantidade de mentiras que ela disse. O Jake nem sequer gosta dela! - Exclamei, furiosa e inquieta, levantando-me com o calor a subir-me à cabeça.



- E tu estás irritada por o mundo pensar que o Jake gosta dela, não é verdade? - Disse o meu pai, com um sorriso divertido.
Limitei-me a encolher os ombros, tentando parecer desinteressada.
- Mas como é ela na escola? Pedem-lhe autógrafos e tiram-lhe fotografias e coisas assim?
- Não muito, mas lembras-te da Cassie? Ela é completamente obcecada pela Sarah. Faz-lhe tudo, desde trabalhos de casa a limpar-lhe o cacifo. É demais!
- A Cassie? Bem, as pessoas mudam mesmo com o passar dos anos - Indagou o pai, desagradavelmente surpreendido. - Bem, quanto à Sarah, nota-se mesmo, através desta entrevista, o quão fútil ela é. Mas olha, ao menos, falou da família.
- Sim, isso foi a única coisa acertada que ela disse - Respondi, dirigindo-me ao quintal para tirar a roupa do estendal.



Na rua não havia muita gente. Um grupo de rapazes conversavam nos bancos de jardim no fim da rua, e uma senhora carregada com sacos de compras vinha em direcção a uma casa recentemente construída, na minha rua. Perguntei-me porque estaria ela com tantos sacos àquela hora, no início da noite, se os Supermercados só abriam no domingo na parte da manhã. Do outro lado da rua, uma menina de, talvez, 6 anos lambia um chupa enorme, que segurava entre as suas duas mãos pequeninas. Vestia um vestido amarelo, que fazia lembrar o sol tímido dos dias de Outono. A mãe segurava-lhe o braço e, de vez em quando, fazia-lhe uma festa na cabeça. Mesmo de longe, eu era capaz de perceber o carinho e o amor com que a mãe olhava para a sua filha. Isso fez-me suspirar tristemente, e pensar na minha mãe, uma completa desconhecida para mim. Só eu…
Sabia o que sentia por ela. Era um misto de amor e de raiva, de curiosidade e de saudade... eram sentimentos que eu nunca tinha sentido antes. Fiz da roupa que tinha tirado do estendal uma bola e atirei-a desanimada para o sofá. O meu pai ficou admirado, mas não disse nada. Nesse momento tocou o telefone. O meu pai foi atender e eu fiquei a ver uma publicidade de um champô para cabelos loiros que prometia deixar os cabelos lisos e sedosos durante dois dias. Isso fez-me lembrar a Sarah, pelo que desliguei a televisão e fiquei a pensar em quem seria ao telefone. Quem quer que fosse, tinha deixado o meu pai com uma voz estranhíssima. Preocupada, peguei numa revista e comecei a ler. Depois de cerca de vinte minutos, o meu pai assomou a porta da sala.
- Quem era, pai?
- A tua avó - Disse o meu pai, apático.
- Avó? A tua mãe? Ou... a mãe da mãe?
O meu pai limitou-se a murmurar um "Já volto" e saiu porta fora, deixando o meu coração em sobressalto. Fiquei intrigada pensando numa resposta à pergunta: Quem será que telefonou?



No dia seguinte, acordei tipicamente exausta, desacostumada ao ritmo da semana e embalada pelo ritmo calmo e sem preocupações do fim-de-semana, que passara tão ou mais rápido que um furacão.



Naquele dia não tinha acordado tarde, por isso não me apressei minimamente a arranjar-me, andando a passo lento e sonâmbulo por toda a casa com o meu pijama já um pouco mais quente e com o robe quente e fofo por cima.
Apesar de não saber porquê, não parava de pensar no facto de, neste momento, todos pensarem que o Jake e a Sarah namoram, graças à incurável e inalienável futilidade da Sarah.
No fim de me arranjar, apanhei o autocarro, ao qual cheguei a tempo pela primeira vez naquele ano, e segui para a Escola, indo contemplando o Sol daquela manhã a envolver as colinas e montes de Fort Sim.



Cheguei à Escola e quase que ia sendo atropelada por todos os alunos da escola que se precipitavam para a saída do autocarro, conversando aos altos berros. Alguns alunos, mais atinados, andavam calmamente mas eram logo ultrapassados pelos mais altos e fortes, sendo empurrados e quase rasteirados.
Entrei na Escola calmamente, ansiosa por chegar, para além do fim do dia, ao cacifo para colocar os meus livros que me entortavam as costas pelo peso que exerciam sobre elas. Mas o meu cacifo não foi, decerto, o meu destino assim que cheguei à escola, mas sim o fim do corredor do qual ouvi gritos e berros…



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