Capítulo 31



Fiquei imobilizada a olhar para a tela que já há muito tempo, desde o início da aula, estava em branco. Comecei a desenhar alguns rabiscos, com o objectivo de fazer algo abstracto. A professora veio ter comigo, com aquele ar snob e superior, e, franzindo as sobrancelhas, começou a apreciar o meu trabalho.
- Oui, oui! Abstracto! – Pelo menos tinha percebido o meu objectivo no meio daqueles rabiscos. – Tenta colorir mais o teu desenho! Trés bien…



Olhei para os meus colegas e, como era de esperar, a Sarah sentou-se no seu banco a “concertar” as suas unhas, com o seu estojo de beleza suplente em cima das pernas.
A Cassie nem se estava a sair mal, mas não parava de olhar para a Sarah, muito sorridente, provavelmente muito satisfeita por a ter tocado.



Olhei para o Jake… estava completamente absorvido na sua tela, que já nem se chama tela mas sim um quadro lindíssimo para ir directamente para um Museu. O seu desenho estava simplesmente magnífico, cheio de combinações de cores, sombras, relevo… Parecia aqueles quadros antigos que eu costumo ver nos grandes e pesados livros de História.



Nesse preciso momento, a professora dirigiu-se a ele com os olhos esbugalhados e com a boca aberta de espanto.



- Oh! Magnifique! Trés bien monsieur…
- Jake… - Disse ele um pouco envergonhado com o espanto e o elevado tom de voz impressionado da Professora.
- Trés bien monsieur Jêke!
Todos os alunos da turma circundaram a tela do Jake apreciando aquela magnífica pintura e desejando-lhe os parabéns. Por sua vez, agradeceu e olhou para mim. Eu assenti e, com um ligeiro sorriso, desejei-lhe os parabéns.
À hora de almoço, o Jake e eu sentámo-nos na mesma mesa no confortável e colorido pátio da Escola.



- Não sabia que adoravas pintura. – Disse eu tentando ainda recuperar do espanto ao ver o seu trabalho.
- Comecei a sentir esta paixão por Pintura quando comecei a ver o meu pai a pintar os seus maravilhosos Quadros…
- Ah… ele é pintor…
- Não. Bem, ele tirou um curso de Artes, mas desistiu a meio.
Eu franzi o sobrolho e fiz uma cara que, provavelmente, explicava a minha confusão, e ele explicou-me com os seus olhos azuis a brilhar.
- Mais ou menos a meio do ano, houve uma espécie de concurso entre os alunos da sua turma. E o prémio era um Curso Profissional na Escola de Artes em França. O meu pai não concordou com essa competição porque começou a reparar na extrema tensão e rivalidade entre os seus colegas. Algumas amizades acabaram e alguns alunos chegaram a sabotar os trabalhos uns dos outros. O meu pai desistiu nessa altura, pois era extremamente contra a competição entre artistas, cada um deles, cheios de talento. Ele apoiava a explicação de que a Arte é uma maneira de uma pessoa se expressar. E a partir desse dia começou a pintar por puro prazer. E eu, muitas vezes, fico a observá-lo a pintar os seus quadros tão coloridos e detalhados, a fim de descobrir os seus significados. Sempre o achei muito parecido comigo. Adoro o facto de podermos deitar tudo o que sentimos para a tela, é como se desenhássemos os nossos sentimentos.
Eu sorri ficando sem saber o que dizer para explicar como estava comovida. Pousei a sandes de atum no guardanapo estendido na mesa e perguntei:
- Jake… Desculpa a pergunta mas… Como tu disseste, nós podemos “desenhar tudo o que sentimos numa tela”. A tua magnífica pintura tinha um anjo do cupido rodeado de nuvens alaranjadas pelo pôr-do-sol. Estava lindo. E… bem… tu por acaso sentes-te…
- Apaixonado? – Completou ele.
- Sim… - Murmurei timidamente.
- Queres saber a verdade? Não sei! Não sei se o que sinto por ela é apenas carinho ou se é mesmo amor… paixão… obsessão. Não faço ideia.
- E… quem é?
- Tu não a conheces… e nem vais querer conhecer!
Senti-me extremamente estúpida por lhe ter perguntado aquilo. Senti que fui indelicada com uma pessoa que eu nem conheço assim tão bem. Bom… na verdade até conheço um pouco mas nada justifica aquela minha pergunta tão disparatada. Levantei-me e despedi-me rapidamente dele, levando o resto da sandes de atum na mão enquanto ia para casa.



No caminho para casa, passei pelo campo de Rugby e, mesmo sem querer, a minha boca abriu-se num sorriso.



Entrei lá, apesar da mala no ombro me estivesse a pesar e a cabeça não estivesse com qualquer disposição para qualquer outra coisa que não envolvesse casa, sofá e descanso. Mas entrei, e senti-me bem quando o fiz. Vagueei pelo campo com a relva acabada de regar, a pensar em coisas bonitas e alegres. Tudo ali transmitia uma calma e uma melancolia quase assustadora. Desde o campo, com montes de linhas desenhadas no chão, que me fazia imaginar montes de pessoas a correrem, a jogarem Rugby, com os aplausos que não cessavam e os gritos eufóricos dos adeptos com cartazes e bandeiras gigantes das suas equipas preferidas. Os arbustos, que circundavam o campo, faziam-me sonhar que estava num prado verde, deitada sob a erva fresca e húmida, a comer frutos arrancados no momento das árvores. Sentia o Sol, já enfraquecido pelo suave frio que se começara a instalar, a bater-me na cara e o cheiro primaveril das flores silvestres de variadíssimas cores a perfumar o ar e a tranquilizar-me de uma forma inexplicável. Agora já sei a razão pela qual o Jake passa a maior parte dos seus dias naquele amplo e sossegado campo.



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