Capítulo 42



Na igreja, pairava um silêncio constrangedor e tive, por momentos, impressão de que algo me observava. Dei uma volta de 360 graus, com a respiração acelerada, mas não vi ninguém. Na verdade, nem sequer sabia se queria ter visto. Provavelmente, teria gritado e nunca mais teria tido coragem de pôr os pés naquela Igreja. Mas de certeza que sentiria falta de todas as sensações que me invadiam a mente e a alma cada vez que pensava naquele belo edifício de mármore amarelado. De repente, uma melodia encheu-me os ouvidos. Quebrou o silêncio instalado como uma bola parte um vidro e eu, automaticamente, levei as mãos ao telemóvel a ver se estava a tocar. Mas não era do telemóvel, como eu já me tinha apercebido. Era uma melodia doce, estranhamente familiar e muito bonita. Levantei-me bruscamente do banco onde me tinha sentado e olhei em volta, a tentar descobrir de onde vinha o som. Avistei então uma caixa, do outro lado do amplo Altar, meio escondida por entre os bancos de madeira corroída.



Corri até lá e pus-me de joelhos, para apanha-la. Do tamanho de uma caixa de sapatos como as que tenho empilhadas na despensa, era de veludo cor de vinho, com motivos florais pretos, em relevo. Abri-a lenta e cuidadosamente. A melodia tornou-se ainda mais audível, e um cheiro a mofo invadiu-me as narinas. Lá dentro, uma boneca em forma de Bailarina rodopiava incansavelmente. Parecia esculpida manualmente mas perfeitamente pormenorizada.



Os pormenores e detalhes da cara e da roupa tinham sido cuidadosamente pensados, resultando num trabalho verdadeiramente artístico e profissional. Devia ser uma caixinha de música com um grande valor sentimental, pois apesar de ser antiga estava muito bem conservada e funcionava na perfeição, pois, as suas rodas dentadas entrelaçavam-se e rodopiavam entre si tão bem que pareciam ter sido besuntadas de óleo. Acariciei a boneca, com o coração a bater descontroladamente.



Porque me parecia tudo tão familiar? Sentia que conhecia aquela boneca em forma de Bailarina, aquela melodia, aquela textura... mas de onde?
Quando a boneca terminou o seu incansável rodopio e a ligeira e calmante música parou de tocar, consegui ouvir melhor inúmeros passos a caminharem na minha direcção. Receosa por olhar para trás e dividida entre a saída e uma descontrolada fuga pelo Altar acima, virei-me lentamente para trás onde visualizei um homem encapuzado e trajado de uma áspera e escura túnica. Lembrei-me, de súbito, que era o homem que eu tinha visto no parque há uma ou duas semanas atrás.



Os seus olhos verdes-água, que agora se achavam ainda mais brilhantes e florescentes, fitavam-me interminavelmente pelo que um arrepio me percorreu as costas fazendo-me estremecer e perder o controlo da mão, que agarrava a caixa, fazendo-me larga-la descontroladamente e soltar um guincho de pânico.
Comecei a correr em direcções incertas, chegando até ao cimo do Altar, onde avistei uma cortina arredada através da qual consegui visualizar uma lareira a crepitar freneticamente, aquecendo toda aquela área.



Entrei por essa saleta adentro, aquecida pela lareira, e perfurei uma saída que me conduzia para as traseiras da Igreja, levando-me para um pequeno Cemitério onde jaziam pessoas com nomes completamente estranhos e desconhecidos, para mim, gravados nas lápides. Lembro-me nitidamente de um que consegui visualizar melhor: Susan Bagshot.





O homem encapuzado saiu pelas traseiras ofegante, vociferando:
- Hei! Não podes estar aqui!
Voltei a soltar um histérico grito, lembrando-me que se a Cassandra estivesse ali me abafava sonoramente o meu guincho, e empurrei com todas as minhas forças uma porta que dava acesso a um casebre feito do mesmo tijolo da Igreja, dando a entender que fazia parte da mesma, embora distanciado.
Lá dentro, avistei umas escadas que mergulhavam para o subsolo, deixando-me sem escolha se não desce-las e esconder-me do homem. Descia-as com as pernas trémulas que já fraquejavam deixando-me com a sensação que podia cair daquelas escadas a qualquer momento.



As escadas davam acesso a uma sala onde repousavam nas suas paredes cobertas de teias de aranha, Barris, igualmente cobertos.
Deparei-me com um porta entreaberta de onde provinha uma ligeira luminosidade das tochas que se achavam penduradas na parede.



Mais uma vez, vi-me obrigada a empurrar com todas as minhas forças, aquela porta. Quando a abri, deparei-me com um enorme alçapão, serpenteando as suas paredes, lances de escadas que davam acesso ao fundo do alçapão.



Subitamente, ouvi passos a descerem as escadas, onde anteriormente eu tinha descido, vendo-me tentada a descer aquele alçapão, na esperança de encontrar uma “porta secreta” ou um bom sítio para me esconder. Desci as imensas escadas que conduziam até ao fundo do alçapão. Nem queria olhar para trás, mas consegui reparar que os passos do homem encapuzado tinham parado de me bombardear os ouvidos, pelo que eu suspirei de alívio, mas não parando de correr.
Tinha a estranha sensação que não estava sozinha naquele alçapão… uma sensação inexplicavelmente assustadora. Quando cheguei ao fundo daquele estranho e fantasmagórico alçapão, a minha boca abriu-se de espanto. O meu coração batia incontrolavelmente, salientando-se na camisola pelos incalculáveis saltos. Estava à frente de três campas, todas elas muito bem tratadas, estando no meio delas um gigantesco poço. Fiquei extremamente perturbada, lembrando-me das imagens que tinham passado pela minha cabeça, quando ia a descer as escadas de casa.
Aproximei-me das três campas que cercavam o poço. Todo o meu corpo estremeceu nesse momento pelo enésimo arrepio que me percorreu as entranhas. Estava diante das sepulturas dos Três Bispos.
Na primeira campa, salientava-se o nome Alexander. Na segunda o nome Joseph. E na terceira o nome Matthew. Todos eles, acompanhados do apelido: Kaufmann. Um apelido estranho sepultado num lugar estranho.



Dentro das campas jaziam esqueletos, dos quais eu quis manter distancia e olhar para cima, na esperança de ver o caminho livre e poder sair daquela Igreja e voltar para casa. Sentei-me à beira do poço onde ondulava uma água cristalina que projectava reflexos tremeluzentes para as paredes. No parapeito do poço, estavam esculpidas várias frases em Latim.



A que se destacava mais, que não estava coberta de pó e teias de aranha, era: Incidit in flammam cupiens vitare favillas (Saltar das brasas e cair nas labaredas). Ao ler aquelas frases, um forte vento embateu contra a minha face, acompanhado de vozes que me apunhalavam os ouvidos.
Quando me preparava para me levantar, ouvi passos acelerados, muitos, a virem na minha direcção. O meu coração bateu tão rápido, que o meu peito de contraiu. Quando olhei para trás, era o homem encapuzado.



Com uma força sobrenatural, apertou-me os braços, imobilizando-me, e vociferou com os seus olhos verdes-água raiados de sangue:
- Leste as palavras… mergulhas nelas!
E com isto, empurrou-me o peito, desequilibrando-me e fazendo-me cair abruptamente naquele poço de águas cristalinas. O pânico começou a tomar conta de mim, fazendo-me dar incalculáveis braçadas no intuito de voltar à superfície… mas algo me impedia. Algo me prendia àquelas águas imóveis, como se estivesse amarrada às mesmas.
Minúsculas gotas começaram a formar-se em volta do meu corpo, percorrendo o mesmo, proporcionando um frio torturante que me subia pelo tronco e pelos braços acima. Subitamente veio, não um monte de gotas, mas sim um enorme remoinho que me cercou por completo, fazendo-me rodopiar até ao desespero de querer parar. O ar começou a escassear nos meus pulmões e os meus olhos começaram a fechar-se, preparando-me para desmaiar naquelas águas.
´Mas para meu espanto, o remoinho fez-me levitar, levando-me até à superfície, onde uma intensa luz que provinha das tochas a trespassava.
Cheguei à superfície, a tossir e respirar profunda e desesperadamente, agarrando-me ao parapeito daquele poço.



Saí do mesmo e caí no chão, tonta e desnorteada. Sentia o meu corpo indomável e completamente diferente. Os meus olhos fixavam várias direcções durante fracções de segundos e as minhas pernas latejavam. Levantei-me lentamente, sentido aquele alçapão a rodopiar à minha volta. Olhei para cima e, determinada, comecei a subir os imensos lances de escadas, pronta para voltar para casa e nunca mais voltar àquela Igreja. Mas o meu regresso a casa teve de esperar, quando saí à rua e a partir daí não me faltou o ar, não me fraquejaram as pernas… mantive-me imóvel, com uma expressão apática, mas sentindo um grande desespero no peito. Senti que algo tinha mudado. Senti que aquele lugar… já não era o mesmo.



4 Response to "Capítulo 42"

  • Diogo Says:

    não me digas que ela foi para outra dimenção!
    era exelente mesmo! ADOREI E sabes que na reparo muito nas fotos, mas estas adorei mesmo!
    MUITOS PARABENS =D =D =D
    TENHO MESSSSSSSMMOOO DE VER O PROXIMO!


  • João Says:

    HAAAAA!
    Onde será que ela foi parar?
    Estou tããããão curioso! HAA!
    Quero mais!
    Está mesmo perfeito! =D


  • mmoedinhas Says:

    OMG OMG OMG OMG! Não consigo parar de pensar nisto!!!! OMG Isto está... Está... *aponta para o ecrã do computador toda a tremer* FANTÁSTICO! MEU DEUS! AHHHHHHHHHHHHHHHH a sério! Tão excitante! Eu nem tenho palavras... Quero saber mais, mais!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    Estou toda histérica... Já deves ter reparado...

    Deg deg


  • Mr.Lis Says:

    Adorei!
    Fico a espera do próximo episódio!


Postar um comentário