Capítulo 43

Estava completamente imunda. Aquela água que me encharcava o corpo, e que aparentemente era cristalina e límpida, não passava de uma água lamacenta e nauseabunda, pelo que o desconforto começava a tomar conta de mim. Não era de esperar outra coisa de um poço que se encontra num alçapão há, provavelmente, mais de 200 anos.
Saí do casebre que dava acesso ao alçapão e abri a pesada porta de madeira maciça. Raios de Sol iluminaram o interior do casebre, descobrindo algumas teias de aranha escondidas nas esquinas, onde a luz das tochas não chegava. Diante de mim, estava o cemitério e um coveiro.



Esse coveiro, tinha as roupas sujas de terra húmida, uma áspera barba e um cabelo grisalho. Estava a enterrar um cadáver com a sua longa e metálica pá que perfurava a terra, trazendo grandes bocados da mesma, cobrindo aquele corpo desfalecido.



Não tinha caixão, não parecia ter havido um funeral, pois notava-se nitidamente a ausência de flores em volta da campa.



De súbito, o coveiro olhou para mim, com um olhar maléfico e aterrorizador, pelo que me fez recuar um ou dois passos inconscientes. Fitou-me com os seus olhos arregalados e castanhos-claros, deixando cair torrões de terra para cima do cadáver. Mas a sua expressão mudou rapidamente para um sorriso forçado e um aceno com a mão.
- Hei… Barty! – Exclamou o coveiro.
Olhei para trás, e estava um homem vestido a rigor, com um fato clássico e um laço a envolver-lhe o pescoço.



- Oh! Há quanto tempo não te via, Jack! Está tudo bem?



- Quando se encara a morte das pessoas todos os dias nunca se está bem! Olha… mais uma que morreu. Ninguém tem cuidado a atravessar a estrada da rua central. Não percebem que lá, o trânsito é caótico! E além disso… eu conhecia esta mulher. 22 Anos, séria e estava agora a acabar a Universidade. Eu conhecia-a… desde pequenina.
- Como se chamava?
- Susan… Susan Bagshot.



O meu coração disparou nesse momento. O meu corpo estremeceu como gelatina e os meus olhos arregalaram-se. Avancei pelo cemitério fora, não obstante ao que tinha visto naquele momento. Continuei a fixar o coveiro a enterrar aquele cadáver… Susan Bagshot… As minhas pernas estavam cada vez mais trémulas e suores frios escorriam pela minha testa. Passei o portão do Cemitério, parando em frente à Igreja, embasbacada.



Para onde tinha ido aquele tijolo amarelado? Para onde tinha ido a porta corroída? Para onde tinham ido as janelas enferrujadas?
A Igreja encontrava-se nitidamente nova e muito bem conservada. O tijolo encontrava-se mais limpo, brilhante e com um perfeito tom cinzento. A porta da entrada estava mais revestida com verniz não se encontrando propriamente corroída. O metal das janelas também brilhava com os raios de sol a incidirem sobre elas. A Igreja estava tal e qual as gravuras que se encontravam no meu livro de História.
Fixava a Igreja, completamente nova, incansavelmente, até que comecei a ouvir um suave canto de uma menina que abraçava um velho urso de peluche.



Para além de mim e da menina, mais ninguém se encontrava naquela zona, pelo que me fez agachar-me e perguntar-lhe o que se estava a passar. Quando me agachei, consegui vislumbrar a sua bonita face. Os seus grandes e castanhos olhos, o seu longo e macio cabelo loiro que brilhava com o Sol. Trazia um simples vestido, cor-de-rosa com um padrão aflorado.



- Olá! – Cumprimentei-a com um ligeiro sorriso, embora aterrorizado.
Por sua vez, a menina nem se mexeu, continuando a acariciar o seu urso de peluche. Repeti o cumprimento, mas mais uma vez manteve-se imóvel e sem dizer uma única palavra, como se estivesse diante de… ninguém. Como se eu própria fosse invisível.
De repente, uma voz fez-se ouvir à distância, chamando por alguém.
- Sarah! – Vociferava essa pessoa, que se ia fazendo aparecer nos prados desérticos que rodeavam a Igreja, e que, para meu espanto, nunca tinham estado ali antes.



Nesse momento, a menina, que se achava imóvel, deu um pequeno salto, não largando o seu peluche, e respondeu ao chamamento:
- Estou aqui, Miss Beatrice!
Subitamente, a mulher apareceu ao lado da menina, que lhe tirou o peluche e lhe ralhou:



- Já lhe avisei que não pode sair do Orfanato a estas horas! Depois, se alguém a rapta? Como iria ser? Vá! Vamos, vamos! O jantar está quase pronto e além disso tens visitas hoje!



Agarrou na sua pequena mão e quase que a puxou pela floresta adentro.
- Esperem! – Exclamei enquanto começava a correr no intuito de as seguir.
Mas não me serviu de nada, a menina e a senhora quase que deslizavam pela relva verdejante.
- Eu só queria brincar. – Sussurrou humildemente a menina, olhando para o seu peluche que se encontrava no braço da arrogante mulher.
- Há mais que espaço para brincares nas traseiras! – Vociferou a mulher.
Corri o quanto me atrevia, chamando-as, e pedindo para pararem, mas estas pareciam ignorar-me por completo.
Quando saíram da floresta detiveram-se sobre um portão feito de um forte e espesso aço. A mulher retirou da sua algibeira um molho de chaves, escolheu uma e abriu custosamente aquele pesado portão. Eu entrei rapidamente pelo mesmo, como se tivesse sido impulsionada para o fazer e segui-as até ao interior daquele edifício. Antes de entrar olhei para cima do portão, onde repousava um placar onde se achavam letras perfeitamente esculpidas pelas quais se conseguia ler: Orfanato Matthew Kaufmann.



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