Capítulo 64


A casa da minha avó ficava isolada junto a um penhasco sobranceiro ao mar. Era um local solitário, mas naquele momento era o que eu mais precisava, para evitar o buliço do centro de Fort Sim, e também para evitar o meu pai. Onde quer que eu me encontrasse, no interior da casa ou no quintal, conseguia ouvir o fluxo e refluxo constantes do mar, como se fosse o respirar de uma grande criatura adormecida.
Passei grande parte dos dias seguintes a arranjar pretextos para evitar o interior da casa, ansiando pela vista do céu aberto e do imenso mar vazio, e a sensação do vento frio carregado de sal no rosto.


Não sentia saudades do meu pai. Nem sequer conseguia pensar nele. Não conseguia lembrar-me dos momentos familiares que tínhamos nem daqueles momentos mais divertidos. A saudade tinha sido abafada por este misto de repulsa e tristeza.


Mas pelo contrário, sentia uma agoniante saudade pelo Jake. Sentia falta do calor do seu corpo, da sua maneira gentil e carinhosa de falar e da sensação de calma e tranquilidade quando estou ao seu lado. Isso fez-me pensar que já há uma semana que não comparecia às aulas. Não tinha disposição para tal. Não me imaginava numa sala de aula, a aprender coisas sobre este fictício mundo perfeito. Não queria encarar a Cassandra… Dela ainda só conseguia sentir raiva e desgosto. Não obstante, também queria regressar à escola… ter algo com que me distrair, algo que me fizesse esquecer todos estes acontecimentos destes últimos meses. E além disso, sentia que tinha uma pequena missão: falar com o Dave e com a Sarah.
A avó tratava-me como se eu fosse uma rainha, por isso nem me atrevia a deixar aquela casa, nem um dia. Sentia que aquela casa era o meu lar.


Passei noites no quintal, a observar o mar com as suas suaves ondulações, enquanto bebia chá com a minha avó, e às vezes até tínhamos algumas sessões das velhas anedotas dos seus tempos. Mas uma noite, ela teve a brilhante ideia de me alertar:


- Melody, já andas a faltar demasiado tempo à escola! Tens de regressar, não podes esquecer os estudos!
- Eu sei, avó. Trata-se é de eu não ter cabeça para ir para a escola!


- Eu estou a ver a tua cabeça… por isso tens.
- Avó!
- O que foi? Tens de ir para a escola!
A insistência da minha avó quase me deixava sem palavras. Claro que por um lado queria regressar, mas ainda não tinha chegado a altura que me sentisse preparada.
Deu um pequeno gole de chá e, com uma cara comprometedora, perguntou-me:
- Então… Já arranjaste algum “amigo” lá na escola?


- De que estás a falar? – Perguntei, um pouco nervosa.
- Sabes… aqueles amigos que não nos dão apenas um beijinho na cara. Que não falam apenas de trabalhos de casa.
- Já sei onde queres chegar… E… tenho… tenho um… amigo desses.
- Ah… e… como é que é ele? É um borracho?


Soltei um pequeno riso com um misto de timidez e nervosismo. Nunca tinha falado do Jake a ninguém…
- Hum… digamos que… sim…
- Já vi que não queres falar mais sobre um assunto. – Disse a minha avó, soltando uma leve gargalhada. – Mas sabes… ser jovem é isso mesmo! Sentir o amor emergir do nosso coração! Aquela ânsia quando se vê alguém de quem se gosta. Eu tive muitos admiradores na minha escola… mas, infelizmente, nenhum deles se aproximava de mim.
- Então, porquê?


- Tinham todos muito medo do meu pai! Do teu bisavô! – Exclamou, soltando outra gargalhada.
Aquela noite estava a ser particularmente agradável. Ria-me imenso com a minha avó, e estava sempre atenta a qualquer som daquela praia. O som relaxante do mar era o que se destacava mais no meio do uivo do vento e do estalejar dos galhos quando algum pequeno animal os pisava.
- Está a ficar frio… vamos para dentro! – Pediu a avó com o seu habitual tom carinhoso.
No fundo, fiquei um pouco aliviada por aquela conversa sobre namorados ter acabado. Nunca gostei de partilhar o que sentia por outro rapaz com alguém. Quando o fazia sentia-me uma verdadeira idiota.
Ajudei a minha avó a levar a bandeja com o bule e as chávenas de chá. Enquanto ela trazia o tabuleiro com os seus biscoitos de mel e amêndoas.
Quando chegámos à cozinha, a minha avó arregalou os olhos e entreabriu a sua boca, como se tivesse esquecido de algo.
- Como é que eu me pude esquecer?! – Indagou, sussurrando.
- O que se passa?
- Vem comigo, quero dar-te uma coisa.
- O quê?
- É surpresa! Agora acompanha-me!


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