Capítulo 90

- Dave, eu… eu não sei o que dizer… lamento muito…
- Eu admiro-a muito, sabes, Melody? Sempre que vinha ao meu quarto, com marcas na cara e no corpo, conseguia manter o seu lindo sorriso, para me mostrar que estava tudo bem e que tudo aquilo não passava de um pesadelo! Foi sempre uma mulher sonhadora… eu e ela, muitas vezes, íamos para a praia e fechávamos os olhos, sonhando com uma vida perfeita e harmoniosa, só eu e ela… filho e mãe…
- Mas… a tua mãe suicidou-se, porquê? Ela tinha-te a ti!
- Mas não chegava, Melody! Não chegava… ela sempre amou o meu pai, mesmo quando a maltratava, e por isso, ela encarava aquilo como um amor impossível. Eu tinha doze anos. Foi numa noite, em que os meus pais tinham discutido de tal maneira, que o meu pai mandou tudo a baixo, agrediu a minha mãe de tal forma, que eu tive que sair… tive que sair do quarto e ver o que se estava a passar, na esperança de que tudo parasse, e que eu pudesse mudar os sentimentos, se é que eles existissem, do meu pai. Mas foi ainda pior… - Suspirou, soluçando. – Quando o meu pai viu que eu tinha ouvido a discussão, saiu do quarto e começou a gritar comigo.


- Ele depois bateu-te…
- Ele nunca me tinha batido, nunca! Por muito estranho que pareça! Mas nessa altura foi diferente! – As lágrimas brotavam com uma intensidade distinta. – Chicoteou-me com o cinto dele… bateu-me… eu ouvia os gritos da minha mãe, implorando que ele parasse, mas o meu pai não lhe dava ouvidos… não queria saber… - Olhou para o chão, e fez uma longa pausa. – Até que, dada altura, ouvi um barulho de um tiro. Eu e o meu pai corremos até ao quarto, e estava lá ela… a jazer no chão, com o revólver do meu pai na mão, a esvair-se em sangue. Foi nessa altura que eu pude ver a aflição do meu pai… não por arrependimento, não por tristeza da sua mulher, a mãe do seu filho, ter morrido… mas sim por não saber o que fazer ao corpo, para que os vizinhos não o culpassem nem chamassem a polícia.


- Não acredito… - Disse, olhando-o nos olhos.
- Eu fechei-me no quarto, sentei-me no chão, e fechei os olhos, tal como a minha mãe me tinha dito para fazer, sempre que me sentisse triste, abandonado… sozinho. Fechei os olhos, e imaginei a minha mãe e eu numa praia, a brincar juntos, e a rirmo-nos muito. Estávamos felizes…


As suas palavras sofredoras apunhalavam-me o coração, deixando-me sem forças nem com coragem para dizer o que quer que fosse. Sabia que qualquer consolação não iria resultar…
- Então mas… o teu pai… como está ele agora?
- Foi para o estrangeiro, para que mais ninguém soubesse dele. Agora estou a viver com a minha tia… a irmã da minha mãe, e às vezes até podemos partilhar o que sentimos. Mas não é a mesma coisa…
- Eu sei o que isso é…
- Não, não sabes! Não sabes o que é perder uma mãe! Eu sinto tanta falta dela! – Exclamou, soluçando.


O Dave estava errado. Eu sabia muito bem o que era perder um familiar próximo. Não estava muito disposta a falar sobre o assunto, mas depois de tudo o que ouvi da sua vida, achava que o mínimo que podia fazer era contar que a minha mãe também tinha morrido.
- Estás enganado! Eu sei muito bem o que isso é! A minha mãe também morreu!
Ao dizer aquelas palavras tão difíceis de dizer, o Dave olhou para mim com os seus olhos ternos, dando a entender que esperava uma explicação melhor.
- Morreu para me salvar… quando eu nasci. Morreu durante o parto.
- Lamento imenso!
- Mas o pior de tudo, é que eu só soube da sua morte há um mês…
- O quê? Antes não sabias? Como é que é possível?
- O meu pai escondeu a morte da minha mãe… a pedido dela… Mas é uma história muito confusa que eu agora não estou com disposição para falar…


- Claro, claro. Eu compreendo.
- Dave… eu lamento imenso o que aconteceu com a tua mãe, mas tu tens de saber que tens de seguir com a tua vida! Tens de seguir em frente, por muito difícil que seja!
- Não consigo!
- Sê forte! Eu sei que consegues! Lá fora espera-te um futuro promissor! Tu tens uma infinidade de capacidades, és um óptimo aluno, inteligente! Agarra o teu futuro, Dave, e não fiques a lamentar o passado, que não passa disso… do passado!
- É fácil falar, mas fazê-lo?
- Eu estou a fazê-lo, também! Tive de esquecer o meu passado, tive que prosseguir com a minha vida! Claro que ainda estou devastada com tudo o que aconteceu, mas sei que mais tarde ou mais cedo irão surgir oportunidades que me irão levar ao futuro… ao meu futuro! Por isso é que não posso andar agarrada ao passado tanto tempo!
- Isso és tu… mas eu. Eu não consigo, Melody! Não consigo! Jamais conseguirei esquecer tudo o que se passou!
- Dave… a tua mãe disse-te para fechares os olhos nos momentos mais tristes e solitários da tua vida, não te disse?
- Sim…
- Então agora, eu peço-te que os abras, e que vejas o que está à tua volta! Espera-te um mundo cheio de oportunidades à espera de serem agarradas! Lança-te à vida, Dave!


Limpou as lágrimas e sorriu-me, pela primeira vez. O seu sorriso, embora quase imperceptível, transpareceu uma nesga de esperança na sua vida, e eu sentia-me bastante orgulhosa por isso.
Cheguei a casa, um pouco depois da hora prevista. O dia preparava-se para escurecer, e assim que cheguei a casa, o meu pai veio ter comigo preocupado.
- Onde andaste?
- Estive na escola a estudar e perdi a noção das horas…
- Porque não vieste para casa estudar?
- Bem, huh… Havia lá livros que eu ainda não tenho, por isso preferi estudar lá.
- Ah… está bem… Bem, o jantar está quase pronto!
- Queres ajuda? – Perguntei, pousando a mala no sofá.
- Não é preciso! Eu já telefonei ao entregador de Pizzas, agora o que podes fazer é esperar! – Exclamou o pai, rindo-se, divertidamente.


3 Response to "Capítulo 90"

  • Diogo Says:

    Adorei, tenho muita pena pelo Dave mas ele ja mostrou ser uma pessoa muito forte e as palavras dele acho que o mudaram e muito!
    Vamos ver que mais nos preparas-te!
    ADOREI COMO SEMORE!
    não consigo viver um capitulo já hahaha


  • mmoedinhas Says:

    Oh desculpa Tudy por não ter comentado o capitulo anterior... *olhando para as mãos cobertas de sangue* estive a localizar o pai do dave... MUAHAHAHAA
    ODEIO-O!!!!!!!!!!! Que raiva!!!! Que fúria!!!!!!! Como é que alguem pode ser assim!!!!!!!!??? Bater na propria mulher e no filho!?????? MOSTRO!!!!! arrrrrrrg

    Estou totalmente... Não há palavras para descrever...

    ESTE CAPITULO FOI EPICO


  • João Says:

    MAGNÍFICO! O.O
    Estou como a Matilde... assim :O
    Tá tãããão bem escrito! embora me tenhas deixado solenemente irritado com aquele.. aquele... coise do pai do Dave, que nerrrvos! -.-
    Simplesmente magnífico, quero maiis u__________u


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