Capítulo 97

- Tu estás a dizer que… apesar do número infinito de visões que eu já tive, que ainda há mais?
- Sim… - a mãe estava impressionantemente cabisbaixa, qual sorriso que lhe sobressaía da face há nem dois minutos.


Houve um momento de silêncio, nem eu nem ela falámos. Eu pensava em algo para dizer, para quebrar aquele silêncio, e sentia que a minha mãe fazia o mesmo.
O arbusto continuava a flutuar suavemente, embora não existisse nem uma nesga de vento naquele lugar indistinto. Por uma fracção de segundo questionei-me de como é que aquele arbusto podia estar ali, sem terra que o fizesse crescer por baixo.


- Mãe… posso fazer-te uma pergunta?
- Claro filha…
- Como é que eu tive todas aquelas visões? Como?
Baixou a cabeça, mantendo uma expressão triste e arrependida. Por momentos desejei nunca ter feito aquela pergunta, mas sabia que tinha de esclarecer aquela dúvida… há meses que tinha aquelas visões, e nunca sabia de onde vinham, nem como. Tinha de tirar aquele peso de cima das minhas costas, caso contrário iria viver atormentada por essa dúvida o resto da minha vida.


- Fui eu, filha. Fui eu que provoquei isso tudo.
Não respondi, à espera que ela me desse mais uma explicação, para além de «Fui eu». Foi então que continuou:
- Aposto que o teu pai já te disse toda a verdade acerca de quem é que tinha tomado a iniciativa de esconder a minha morte…
- Sim, ele disse-me que tinhas sido tu a pedir-lhe…
- Não te zangues comigo, Melody! Eu apenas queria o teu bem! Ele a início…
- Recusou-se – interrompi – mas tu convenceste-o.
Olhou para mim com um olhar terno, os seus cabelos da cor do ébano brilhavam com mais intensidade.
- Sim… ele aceitou esse fardo. Eu nunca o devia ter pedido! Só fez com que tu te sentisses ainda mais só e abalada… mas eu naquela altura não sabia o que estava a fazer, não estava consciente das consequências. Apenas não queria que tu sofresses.


- Deixa estar… não faz mal! Mas… eu continuo sem perceber como é que eu tive aquelas visões todas, às vezes até via coisas que nunca tinha visto na minha vida!
- Eu sei… Fui eu que fiz isso, por arrependimento. Eu arrependi-me profundamente, quando te vi a ti e ao teu pai separados. Não conseguia suportar a ideia de vocês se separarem…
- Tu viste-nos… sempre nos viste…!
- Sim… como eu disse, estás num lugar onde podes olhar por quem mais amas… - Fez uma pausa, e continuou – Tal foi o meu arrependimento, que te controlei a mente. Fiz-te ver algumas coisas importantes sobre o passado, para te aperceberes que algo não estava bem, algo se tinha passado, e que eu não estava realmente no estrangeiro e longe de vocês… não queria que pensasses isso de mim!


- E o poço? Como explicas isso? E o Tio Arthur? Ele tinha conhecimento disso?
- O poço em que mergulhaste? – Sorriu ligeiramente – Vieste parar, nem mais nem menos, aqui mesmo!
- Aqui?!
- Sim… a única diferença era a questão das sombras que se ergueram… elas tornavam este lugar em algo forme, daí a parecer tão real.
- Mas eu vi o passado de colegas meus… pessoas que tu não conhecias!


- Mas tu conhecias! Para além da angústia que sentias por causa das visões, também não paravas de pensar nos teus amigos, e nos segredos que eles escondiam… e como este lugar se transforma em tudo o que queres, acabaste por ver o passado dos teus amigos primeiro!
- E o tio Arthur?


- Ele também tinha mergulhado no poço várias vezes, para me ver. Eu era a companhia dele, e ele a minha! Foi por isso que te encaminhei para aquela igreja, queria que conhecesses melhor o teu tio, e que… soubesses toda a verdade. Pedi-lhe que também te guia-se até à igreja… Eu devia saber que era uma questão de tempo até tu descobrires toda a verdade… Tu devias ter sabido desde o início. Passaste a tua vida na esperança que eu viesse nas noites de Natal, no teu aniversário, mas apenas pensaste o pior de mim, tudo por minha culpa! Não devia ter encarregado o teu pai daquele fardo…
- Mãe! Não penses mais nisso! – Disse, com ternura. – Já passou! Tu fizeste-o porque querias o melhor para mim! Eu compreendo!


A mãe olhou para mim, com as lágrimas nos olhos e com um sorriso encantador.
- Tal como o teu pai, tens uma bondade inigualável… estou tão orgulhosa de ti, minha filha!
Ambas sorrimos uma para a outra. A emoção e a vontade que tinha de abraçar a minha mãe eram indescritíveis.
- O meu tempo está a esgotar-se… - Disse a mãe, com uma expressão abalada. – Gostei muito de estar contigo, minha filha! Tenho tantas saudades!


Tudo o que eu menos queria era que aquele momento acabasse. Nem tinha dado pelo passar do tempo enquanto falava com a mãe, na verdade nem estava certa se naquele lugar o tempo fosse algo relevante.
Mas o meu coração pulsou ainda mais, mais do que todos os momentos que o levaram a pulsar mais aceleradamente, quando a mãe levantou a sua mão, sorrindo encantadoramente para mim…

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