Capítulo 98

Levantou a sua mão, muito lentamente, enquanto olhava para mim com um sorriso encantador e bondoso. Nada me fazia prever o que ela ia fazer a seguir.
Pegou na minha mão, levantou-a, e acariciou-a. O meu coração pulou naquele momento, como nunca antes tinha pulsado. Estava de mão dada com a minha mãe!


Tudo pareceu mudar naquele momento… a imagem que via parecia mais brilhante e mágica e o arbusto oscilava com mais intensidade, soltando fragmentos dos seus ramos e flores, que também brilhavam como estrelas num céu nacarado.
Ter a sua mão entrelaçada na minha era uma sensação demasiado boa para ser realidade. Sentia-a presente, afeiçoada a mim, unida... Era como se aqueles dezoito anos sem ela nunca tivessem existido. Toda a força que emanava daquele pequeno gesto fazia-me esquecer tudo o que já passara, para me dedicar apenas ao presente. A felicidade transbordava do meu peito, a alegria inundava os meus olhos. Olhei para a minha mãe, e ela sorriu para mim. O seu sorriso doce e chilreante fazia lembrar o meu, numa fotografia que a minha avó apelidava como sendo a fotocópia da minha mãe. Como podíamos ser tão parecidas? Olhar para ela era como olhar para um espelho. Via a imagem da pessoa em que me queria tornar. Ela era como se fosse o meu exemplo de vida. Apesar de não a conhecer, de nunca a ter visto realmente, imaginava-a como uma mulher forte e corajosa, de pés bem assentes na terra. Queria ser lutadora, ter vontade de vencer, ambição sem exageros, tal e qual como ela. E trabalhava todos os dias para ser a pessoa que imaginava que ela seria.


No meio destes pensamentos, de repente, os seus olhos verdes tornaram-se em dois reflexos sem vida, a sua cara tornou-se transparente e parecia uma mera ilusão óptica e o seu corpo desfez-se como fumo.


Uma imagem turva e confusa veio sobrepor-se á antiga. Instintivamente, olhei para a minha mão, que supostamente segurava a da minha mãe. E na realidade, segurava uma mão. Mas era diferente... mais ossuda, mais morena e menos delicada. Apercebi-me então que todo o ambiente em volta mudara. O arbusto desaparecera. Diante dos meus olhos, estavam quatro cabeças. A Cassie, o Jake, o Michael e o meu pai que agarrava a minha mão.


Nem sinal da minha mãe, nem de nada que pudesse fazer de novo a conexão entre nós. Todo o calor daquele momento lindo entre nós duas parecia ter sumido como por magia.


Conseguia reconhecer as faces que se empoleiravam sobre mim, embora a imagem que os meus olhos viam fosse ainda muito ténue. Os mesmos eram inundados por uma luz forte, de cor branca, transmitida por um candeeiro de tecto, aparentemente quadrado. E passados alguns segundos comecei a ouvir as vozes pertencentes às pessoas que me rodeavam. Estas ainda permaneciam quase inaudíveis, acompanhadas de um ecoo sobrenatural, mas à medida que o tempo passava, mais audíveis essas vozes se tornavam, e aí consegui perceber que a voz que se fazia ouvir era da Cassie:
- Olhem! OLHEM, OLHEM, OLHEM! Ela está a acordar!
O meu pai, que parecia estar com os olhos fixos na minha mão, levantou rapidamente a cabeça, com uma expressão de extremo alívio.
- Oh! Graças a Deus! – Agora era uma voz masculina, que percebi perfeitamente que era do meu pai.


Agora a imagem ia ficando cada vez mais nítida, assim como as vozes se tornavam perfeitamente audíveis. Ia abrindo muito lentamente os olhos, o meu corpo ainda estava extremamente sensível e fraco.
- Pai? – Indaguei, olhando para o lado.
- Filha! Estou aqui! Está tudo bem! Já passou!
Olhei para a frente, onde estava o Jake, com um sorriso na cara, a Cassie, com os olhos arregalados e com a respiração extremamente acelerada, como se tivesse recuperado de um grande susto, que é fácil de prever qual, e o Michael, que eu mal conhecia mas que no entanto estava ali presente, em nome do Jake.
- Estás bem, amor? – Perguntou o Jake.


- Sim, estou… estou bem., sim – nesse momento lembrei-me do Torneio de Rugby que tinha sucedido. – Ganharam? – Ao perguntar aquilo consegui notar uma expressão confusa de todos os que me rodeavam. – Ganharam? O torneio!
A Cassie olhou, séria, para o Jake, que olhava para mim igualmente sério. Quase que conseguia prever a resposta.
- Bem… - Começou o Jake – quando o Michael me disse que tinhas desmaiado, eu não consegui jogar mais… a equipa teve de continuar o jogo sem mim… e… - baixou-se e abriu o seu saco, tirando de lá um objecto dourado e portentoso – GANHÁMOS!


- Falem mais baixo! – Exclamou o pai, num sussurro.
- Não faz mal, pai – disse – fico tão feliz por vocês! A sério! Por momentos pensei que não tinham ganho!
- É… mas isso devo-o à equipa, que se portou lindamente!
- Pudera… com um capitão assim, quem não se portaria? – Elogiei, inconvenientemente.
- HUU! Que amor! – Exclamou ainda mais inconvenientemente a Cassie.
Houve um momento de silêncio, enquanto o Jake arrumava outra vez o troféu no seu saco, até que o meu pai falou:
- O que aconteceu contigo… foi muito estranho! Quando paraste de respirar vi a minha vida a andar para trás! Os médicos não detectaram nada que pudesse causar essas dores agudas e esse desmaio… é um autêntico mistério! Filha… porque não me contaste antes que não te sentias bem? Escondeste essas dores! Porquê?


- Não te queria preocupar, Pai… já tinhas tanto com que te preocupar, e além disso não achava que fosse um assunto assim tão importante… pensava que eram… enxaquecas, mais nada.
Nesse momento, o Jake, o Michael e a Cassie levantaram-se para me deixarem sozinha, afirmando que eu precisava de descansar. Quando o pai se preparava para se levantar também, eu pedi que permanecesse ali para poder falar com ele.
- Diz, querida!
- Pai… eu… eu queria falar contigo sobre o meu desmaio!
- Sim…?
- Eu não desmaiei… propriamente. Eu não sei… acho que abandonei o meu corpo, indo ter a um lugar maravilhoso!


- Um lugar maravilhoso?
- Sim! E nesse lugar estava a mãe! Eu estive com ela, Pai! E toquei-lhe! Conversámos!
- Sim, filha! Claro… o médico disse que se calhar ias acordar um pouco baralhada, descansa! – Levantou-se e deu-me um beijo na testa.
Senti uma pontada de indignação por aquele momento. O pai não acreditava em mim, porque pensava que eu estava baralhada? Mas não me quis enervar naquele momento.
Permaneci quieta a olhar para o tecto, observando a luz do candeeiro que agora já estava mais fraca. Acariciei a medalha esférica e maciça, com uma lua e uma estrela meticulosamente cravejadas, do meu colar, pensando na minha Mãe. O momento que tive com ela ia ficar gravado na minha mente, para o resto da minha vida.


3 Response to "Capítulo 98"

  • mmoedinhas Says:

    :0 Foi tão lindo! O momento em que elas juntaram as mãos e depos aquela luzinha toda! (afinal eu acertei xD) Tipo cenário todo angelico, sei lá!
    Tá muito sentimental e mesmo maravilhoso!
    Só de pensar que tá perto do fim :S


  • Diogo Says:

    Concordo planamente, foi super ... mais que super mesmo. Adorei, maravilhoso.
    Adorei os sentimentos que ela teve assim, claro, da maneira que os escreves-te para nós.
    Parabéns e continua.
    P.S- As fotos estão fantasticas


  • João Says:

    A sério, este foi brutalíssimO! Amei tudo, principalmente a parte em que a mãe lhe toca. *.*
    Continuaaa!


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