ÚLTIMO CAPÍTULO

* * *


Sentei-me nas bancadas do campo de rugby. Visto da perspectiva de um adepto, era tudo muito diferente. O relvado, húmido e fresco, brilhava á luz ténue do sol. As bancadas encontravam-se completamente vazias, o que dava ao estádio uma imensidão diferente e um aspecto levemente lúgubre. Atrás do campo, erguia-se a igreja dos Três Bispos, que tanto marcara a vida da Melody. Sem dar por mim, comecei a pensar nela. Relembrei quando ela me vinha dar um beijo de incentivo, ou assistir aos treinos, e na primeira vez que lá veio… pedi-lhe que fosse buscar a bola e nem soube o seu nome para lhe agradecer devidamente. Fiquei o resto do dia arrependido com o meu gesto. A pensar no que ela achava de mim, se não passaria de um rapaz convencido ou algo mais…


A brisa gelada obrigou-me a vestir o casaco, e o frio que se instalara gelava-me as mãos. Só não conseguia entender se o frio era exterior ou interior… havia um vazio na minha alma e no meu coração para o qual eu não arranjava nenhuma explicação. A Melody tinha traído os meus sentimentos, tinha mostrado da pior forma que não gostava assim tanto de mim. Mencionara tantas vezes o respeito… mas ela também não me respeitara. Não compreendera a dor que eu sentia, o quanto me custava ver a única rapariga de quem realmente gosto a fugir-me dos braços. Para ela, o importante era o seu bem-estar. O egoísmo, nunca antes detectado nela, parecia agora tão obvio… Sentia-me tão triste por tudo isso.

De repente, todo o ciclo perfeito em que a minha vida se tornara, parecia desmanchar-se. A rapariga que eu amo, vai-se embora para sempre. Sem demonstrar a mínima consideração por mim. E isso é mais que suficiente para me deitar abaixo.
E nesse momento, de longe, ouvi uma voz estridente, a chamar pelo meu nome. Olhei na direcção de onde supostamente vinha a voz, mas a luz intensa do nascer do sol encandeava-me. No entanto, à medida que a pessoa se ia aproximando, eu ia vendo a sua cara aos poucos, e vi que era a Cassie.
Suspirei e desci as escadas das bancadas para ir ao seu encontro. Ela estava com cara de poucos amigos, apoiando-se no corrimão da entrada das bancadas, respirando profundamente.
- Estás a correr a maratona? – perguntei, sorrindo.


Passados uns segundos, ela levantou a cabeça, com um olhar maléfico a fixar-me constantemente, arfando ainda com mais intensidade.
- Seu… seu…! – começou a dar-me murros nos braços e nas costas, embora não me doesse nada. – Seu estúpido, covarde, cabelo-lambido, mal cheiroso… já te disse que és… ESTÚPIDO??



- HEI! Acalma-te, miúda!
- O quê? Como é que queres que eu tenha calma se a tua própria namorada está prestes a ir-se EMBORA!?
- Ela escolheu o seu caminho – disse, rispidamente – não tenho nada a ver com isso!
A Cassie voltou a dar-me pancadas nos braços, que doeram um pouco mais, seguidas de gritinhos histéricos, no meio dos quais só se ouvia a palavra «Estúpido».
- SEU ESTÚPIDO! VAI IMEDIATAMENTE DESPEDIR-TE DELA! AIIIII, se eu pudesse atirava-te com pedras... não! PEDREGULHOS a essa cabeça que apenas tem palha no interior! Tu não percebes que a Melody está triste? Ela não pára de pensar em ti, seu búfalo-jogador-e-capitão-da-equipa-de-Rugby!


Segurei-lhe nos braços e tentei acalmá-la.
- A Melody está triste?
- SIM! Seu estúpido! Cada vez que passavas por ela, ela ficava de rastos! Como é que foste capaz de a tratar assim? Não tens sentimentos? Ela ama-te, seu Monte de Músculos!


Por instantes, a voz da Cassie transformou-se num ruído turvo nos meus ouvidos, ficando a pensar na Melody, vindo-me a imagem dela a ir-se embora de Fort Sim à cabeça, sem sequer me poder despedir. Foi então que a voz da Cassie voltou a transformar-se em guinchos agudos que me faziam zumbir os ouvidos.
- Cassie! Ouve! OUVE-ME! A Melody ainda está aqui em Fort Sim? Ainda está em casa?
- Achas que eu sei, seu… espera! Tu queres ir ter com ela?
- Isto resultaria se parasses de me fazer perguntas!
- Vai a casa dela, ainda é capaz de lá estar! Mas despacha-te! Não é por acaso que tens essas… pernas de atleta…

* * *

A caixinha de música permanecia entre as malas de viagem, a tilintar a sua maravilhosa melodia. Fiz questão de não a misturar com todos os meus outros pertences que se encontravam espalhados por todas as malas. Quis que ela ficasse fora das malas, para poder ouvir o seu doce tilintar. Mas daquela vez, tudo era diferente.


A melodia que a caixa emanava, não me chegava apenas aos ouvidos, mas sim aos quatro cantos daquele quarto, provocando um ecoo intenso. À medida que me deslocava no chão de madeira, esta ia estalejando, provocando ainda mais ecoo. Olhei para as paredes… nuas. Estavam sem molduras, apenas com os pregos que as seguravam. Olhei para o sítio onde supostamente estava a minha cama, mas no seu lugar apenas estavam alguns parafusos. O quarto estava vazio.


Olhei pela janela, visualizando um cartaz a dizer: «VENDE-SE». Olhei para a porta da entrada, e de lá saíam homens de estatura forte a acartar os sofás e as mesas de apoio da sala, colocando-os dentro de um enorme camião, que ostentava um logótipo psicadélico explicitando a palavra: «MUDANÇAS».


Peguei nas minhas malas. O peso que estas retinham faziam-me doer os braços e perder a visibilidade do chão. Desci as escadas e pousei as malas na entrada, para vislumbrar a sala por uma última vez. Esta encontrava-se vazia também, fazendo-me lembrar da quantidade de acontecimentos que esta retinha. Desde as mais alegres sessões de Sueca, nas quais o meu pai me deixava sempre ganhar, até à inacreditável pirâmide de paus de gelado que eu tinha feito em conjunto com o meu pai, quando era pequena.


- Ah, óptimo, tens tudo preparado! – exclamou o pai, muito bem-disposto, esfregando as mãos de satisfação enquanto se encaminhava na minha direcção. – Deixa estar, eu levo essas malas para o porta-bagagem do carro. Vai lá ter quando quiseres filha!


Dirigiu-se para junto do carro, enquanto eu, antes de sair também, observava a sala durante mais alguns segundos. De lá de fora, conseguia ouvir o meu pai a resmungar:
- HEI! Tenha cuidado com isso! Isso não é um martelo lá da Oficina! É um jarro!
Peguei na minha mala pessoal, semelhante a uma mala de missangas, onde estava guardada a caixa de música e as fotos de mim e da Cassie. Dirigi-me para o exterior da casa, onde podia observar mais detalhadamente o painel de Venda da casa. Reparei que ao lado de palavra «Vende-se», encontrava-se a palavra «Vendida».
- Eles são de confiança… - disse o pai, aproximando-se de mim e envolvendo o seu braço no meu ombro - … os Compradores! São um casal sério! Não tens de te preocupar!
Não respondi, apenas me limitando a sorrir, e encaminhei-me para o carro, onde coloquei a mala de missangas no banco da frente. E quando fechei a porta, ouvi uma voz na minha cabeça. Uma voz muito distante, quase inaudível, que chamava pelo meu nome desesperadamente. E com o passar do tempo, essa voz ia-se intensificando, aproximando-se cada vez mais de mim.
- MELODY! MELODY!
Foi então que percebi que aquela voz não era nenhuma ilusão, mas sim real! Olhei para trás, e vi o Jake a correr freneticamente na minha direcção, não parando de chamar pelo meu nome, sorrindo à medida que se aproximava.


Senti um enorme formigueiro na barriga, seguido de uma falta de ar incomum. Fiquei imóvel durante vários segundos, vendo ele a aproximar-se de mim cada vez mais.
E quando finalmente chegou junto a mim, agarrou-me e beijou-me amorosamente na boca. Instantaneamente, retribui o beijo, ficando envolvida numa onda de calor intenso como nunca antes sentira.


Quando os nossos lábios se afastaram um do outro, o Jake fez questão de não me deixar falar, suplicando que o deixasse explicar tudo.
- Melody! Que bom que ainda não te foste embora! Ouve… desculpa! Desculpa-me! Eu não te devia ter falado daqueles modos naquele dia! Fui um estúpido, nem sequer pensei nos teus motivos!
Uma alegria sobrenatural invadiu-me o peito, enchendo-me de esperança e felicidade.
- Jake… não tem importância! Estás aqui! É o mais importante! – exclamei, sorrindo-lhe intensamente.


Ele retribuiu o sorriso e acariciou-me a cara, dizendo, ternamente:
- Realmente… eu não faço ideia da sorte que tenho… por te ter a ti! A rapariga mais doce e bonita que já conheci! Eu amo-te, Mel! Amo-te!
- E eu a ti! E eu a ti, Jake! – as lágrimas começaram a inundar-me os olhos, não conseguindo evitar um soluço instantâneo.
E nesse instante, de dentro do carro, o meu pai avisou:
- Melody! É hora de irmos! Os homens das mudanças não gostam de esperar!
- Sim! Só mais dois minutos pai! – respondi, olhando-o pelo vidro aberto do carro.
Quando voltei a olhar para o Jake, este voltou à sua expressão triste e carinhosa.
- Então… vais-te embora agora?
- V-vou! O meu pai diz que temos mesmo de ir…
- Melody… - interrompeu o Jake. – Quando acabar o Liceu, prometo… prometo que irei arranjar uma vaga para uma Universidade, na cidade para onde vais! Prometo! E aí podemos ficar juntos! Juntos, meu amor! E levo a Cassie, também!


Sorri-lhe, acariciando-lhe a cara humedecida pela transpiração.
- Fico à espera…
E ao dizer aquelas palavras, beijei-o carinhosamente, esquecendo tudo o que se encontrava à minha volta, focando-me apenas no Jake. O mundo pareceu parar de girar… o tempo pareceu paralisar. Apenas me concentrava naquele momento, a sentir o calor do seu corpo por uma última vez…
- Não me risques ainda do mapa, miúda – sussurrou-me ao ouvido, dando-me um beijo na bochecha.
- Jamais! – disse, firmemente.
Entrei no carro e fechei a porta, vendo-o ainda a olhar para mim com uma expressão desnorteada, como se ainda não acreditasse que aquilo fosse real. O pai fez ignição e arrancou com o carro. Olhei para trás, vendo a imagem do Jake a afastar-se progressivamente. Este acenava-me freneticamente, despedindo-se com uma expressão de carinho.


Voltei-me para a frente. Olhei para o meu pai, que ainda detinha um genuíno sorriso, e acariciou-me a cara, como que dizendo que tudo ia correr bem.
Eu sabia que tudo ia correr bem. Estava de consciência limpa naquele momento, pois sentia-me segura junto do pai. Estava no auge de mudança da minha vida, que dera uma volta de cento e sessenta graus num espaço de quatro meses.
Acariciei a medalha do meu colar, com a lua e a estrela meticulosamente esculpidas. Sorri ligeiramente, e olhei em frente, para o caminho que ia seguir.
Sei que desiludi muitas pessoas, que as deixei para trás, virando-lhes as costas, e sei que vou sentir muitas saudades de grande parte dessas pessoas, mas, ao sair desta cidade, deste poço de recordações, sei que tomei a decisão com que eu me sinto bem, a decisão que, pode não mudar a minha vida, mas que faz com que, pelo menos por enquanto, eu me sinta bem comigo própria, e que me faça sentir que daqui para a frente possa ser mais feliz...


AGRADECIMENTOS:

Tal como todas as séries que já fiz, aqui fica o momento de antena dos meus apoiantes!

Desi – Todos sabem quem é este xavalo! xD É como se fosse o meu mano emprestado, um dos meus SUUF’s que sempre me deu apoio em todas as minhas decisões, e que sempre me incentivou em todas as minhas séries! Por isso, do fundo do meu coração, agradeço-lhe imenso!

Nádia – Esta minha amiga deve ser novidade para a Comunidade Simmer, daqui! Para quem não sabe, a Nádia é uma grande amiga minha, para a qual não devo um simples “Obrigado”. A Nádia ofereceu-se para colaborar comigo nesta história, escrevendo excertos na maior parte dos capítulos, como certas descrições ou diálogos que eu lhe incutia. Por isso, também lhe agradeço imenso, e um grande beijinho!

Diogo Simões – Por ter seguido sempre a série, tal como todos aqui presentes, por me ter dado opiniões sempre que eu assim o desejava e por me apoiar sempre! ;)

Mmoedinhas – Quem é que não conhece a Master of Comments? Quem não conhece a autora dos maiores Clássicos de sempre? Claro que toda a gente conhece a mmoedinhas, como sendo a rapariga dos asteriscos e aquela que se assemelha mais à Cassie! Do fundo do meu coração, agradeço-lhe imenso, não só pelos comentários hiper-mega-fabulosos, mas como também pelo apoio e por ter sempre acompanhado a série à risca!

E, claro, agradeço a TODA A COMUNIDADE do Fórum, que sempre me deixou opiniões no Tópico da Melody, que sempre me motivaram para a realização desta série! Dentro desse grupo incluo a Bichona, a Carina, as Ritas, a Joana13, o Lis, a Kathuxa e entre muitos outros!
Muito obrigado a todos, porque sem vocês, com certeza que esta série nunca se teria realizado!

Capítulo 114

O facto de saber que aquela era a última tarde que ela ia estar comigo, punha-a abalada para o resto do dia. A Cassie esteve mortiça todo o dia. Já não se ria nem tinha aquela boa disposição que costumava sempre ter, nem se esforçava para a dar a entender.
Apesar do alento que sentia em sair daquela cidade, não podia evitar aquele ímpeto de tristeza que se intensificava ao longo do dias causado pelo facto de deixar uma grande amiga.
Quando deu o toque para a saída, eu e a Cassie ficámos a falar alegremente à porta da escola, embora essa alegria se viesse a dissipar quando chegou a altura da despedida.
- Lembras-te daquela vez em que nós colámos pastilha elástica no cabelo do rapaz que andava atrás de mim? – indagou a Cassie, rindo-se ás gargalhadas.


- Como é que não me podia lembrar? Fartámo-nos de rir quando ele chegou á escola no dia seguinte com uma falha nesse sítio do cabelo! Estava completamente careca nessa zona!
As gargalhadas envolveram-me numa onde de boa disposição e humor, e sentia que a Cassie também assim se sentira, embora o seu sorriso viesse a desaparecer.
- Meu Deus, já viste as horas? – balbuciou, olhando para o seu relógio.
- Tens alguma coisa para fazer hoje à tarde?
- Sim! O meu pai deve estar à minha espera para o ajudar na sua loja! E já estou atrasada!
Nesse momento, o Jake e os seus amigos saíram também da escola. Ele olhou de relance para mim e desviou imediatamente o olhar para a sua mota, pondo o capacete e montando nela. As gargalhadas que os seus amigos soltavam denotavam que o Jake não estava nada afectado com a nossa discussão do dia anterior, pois este também se ria.
- Estúpido! Cabelo-lambido! – resmungou a Cassie, olhando para o grupo.


- Cabelo-lambido? – repeti, ignorando rapidamente aquela observação – Bem… então vais já?
- Diz? Ah, sim! Oh Mel! Vem comigo para a loja! Assim ajudavas-me e passávamos mais tempo juntas!
- Lamento, mas também não posso, Cassie! Vou ter de fazer as malas para amanhã! Parto de manhã cedo…
Denotou uma expressão aterrorizada mas simultaneamente triste, enquanto fazia rolinhos com o seu cabelo.
- Então… - fungou, mordendo o lábio – quer dizer que isto é… uma despedida?
- Não tem propriamente que ser! Vamos voltar a ver-nos mais cedo do que pensas…
- Melody… posso ter este ar de lunática, e sou mesmo, posso ser “infantil” e “histérica” mas estou muito a par da realidade! Eu não acredito em Contos de Fadas, Mel. Eu sei que não nos vamos voltar a ver…


A sua voz já não estava num tom de brincadeira, mas sim um tom sério e adulto, como nunca ouvira antes, acompanhado de uma lágrima ao canto do olho.
- Cassie! Que disparate! A sério… preferia que, neste momento, estivesses a mandar piadas ao invés dessa baboseira que acabaste de dizer! É claro que nos vamos voltar a ver! Isso é óbvio! Basta acreditarmos na nossa amizade!
Sorriu ligeiramente, acariciando-me o braço com o seu olhar terno.
- Admiro o teu optimismo, sabes… Mesmo neste momento consegues ser optimista. Mas eu vou aceitar a realidade… vamos continuar a contactar-nos, mas nunca mais será o mesmo!
- Oh Cassie… - disse, chorando e abraçando-a.


- Tu… foste a melhor amiga que já tive em toda a minha vida! Nunca te vou esquecer amiga!
- Nem eu, Cassie! Nem eu!
Respirámos fundo e pegámos nas malas que estavam no chão.
- Liga-me quando chegares! – exclamou a Cassie.
- E não só! Irei ligar-te todos os dias!
Rimo-nos em conjunto, embora os soluços fossem inúmeros. Aquela despedida tinha sido mais difícil do que eu pensava. Deixar uma amiga para trás era mais difícil do que, simplesmente, perdê-la. Era uma sensação angustiante que me sufocava intensamente. Significava colocar doze anos de amizade para trás das costas, embora estabelecêssemos contacto.

***

Aproximei-me do piano. Passei a mão pela madeira áspera e rugosa que este detinha, sentido a fina camada de pó que o cobria. Lembrei-me dos tempos em que passava tardes inteiras em frente àquelas teclas de marfim, a tocar melodias que nem eu sabia de onde vinham. Não tinha pauta, mas as músicas estavam todas gravadas na minha mente.


Sentei-me no banco do piano e removi algum excesso de pó que se entranhava no meio das teclas. Respirei fundo e comecei a tocar. A música assemelhava-se à melodia da caixa de música…


***

Tinha a caixa de música pousava na mesa-de-cabeceira. A bailarina brilhava sobre a luz dourada projectada do pequeno candeeiro cor-de-rosa. Aquela melodia não cessava, fazendo-me fechar os olhos e viajar para os mundos mais hostis onde nem os meus sonhos conseguiam chegar.


Abri os olhos. Olhei em redor. Olhei para as estantes de livros encostadas ás paredes do meu quarto. Todas elas estavam vazias, encontrando-se os livros dentro de pilhas de caixas de cartão, com o meu nome escrito a caneta de feltro, para as identificar.
Olhei para a secretária e o computador já estava dentro de outra caixa de cartão, juntamente com um candeeiro sem lâmpada, que não utilizava há muito tempo, e todos os pertences das gavetas.
Peguei na moldura que guardava a fotografia da mãe e coloquei-a dentro de outra caixa, onde se encontrava escrito: «FRÁGIL».
Abri a gaveta da mesa-de-cabeceira e peguei num molho de fotografias de eu e da Cassie a pousar, fazendo caretas, as quais não resistiam durante muito tempo, porque começávamos rapidamente a rir-nos. Levei as fotografias ao peito e fechei os olhos, imaginando essas imagens na minha cabeça.




Estava a poucas horas de me ir embora. Apenas sabia que era o melhor para mim, nem tinha parado para pensar se estava realmente preparada para uma mudança…


Capítulo 113

***

Estava furioso naquele momento. A cólera que sentia era incontrolável, embora tivesse a ligeira sensação que tinha sido precipitado quanto à minha decisão. A revolta que tomava conta de mim e me causava um enorme aperto no peito fazia-me aumentar ainda mais a velocidade da minha mota, passando os ponteiros do velocímetro desta para os quilómetros máximos: 120 quilómetros por hora.


Não parei nos semáforos vermelhos nem nos sinais de «STOP» e continuei a minha precipitada e acelerada condução, enquanto alguns chuviscos embatiam contra o vidro do meu capacete.


Para ser sincero, nem tomava destino algum, apenas seguia em frente pela Via Rápida, vendo os carros a passar ao meu lado, com os limpa pára-brisas ligados, para não perderem a visibilidade no meio daquela chuva que se ia intensificando ao longo do tempo.


***


Parei à porta de casa e tirei as chaves de dentro da mala. Preparei-me para a abrir mas hesitei. Os meus olhos estavam vermelhos de tanto chorar pelo caminho, e os soluços ainda se faziam sentir. Respirei fundo e fechei os olhos. Mais uma imagem me veio à cabeça… O Jake a discutir comigo. Era a única coisa em que conseguia pensar naquele momento.
Finalmente, abri a porta e limpei os pés ao tapete. Entrei em casa e pousei as chaves no aparador do hall. Ouvi passos vindos da cozinha, e quando me virei para trás vi o pai, com um pano de cozinha pousado no ombro, com uma cara satisfeita.
- Olá, filha! Estás boa? – cumprimentou-me, dando-me um beijo na testa.


- Olá, pai. Sim, estou bem. E tu… como estás? – tentava disfarçar a minha tristeza, mas não conseguia. Mas com a felicidade que o pai sentia, nem reparava em nada.
- Tenho óptimas notícias! O meu chefe aceitou fazer-me transferência para as empresas de Hillywood! É lá para onde vamos, filha! Já estive a ver apartamentos, e já encontrei um barato!
- A sério? Mas isso é muito bom!
- Sim! E, segundo uma pesquisa que fiz hoje à tarde, aquela cidade tem óptimas escolas e Universidades, por isso não tens de ter problema! Agora… só preciso que leves uns papéis para a tua escola. Já assinei tudo o que tinha a assinar, agora é só entregá-los e já tens transferência de escola autorizada!
- Bem, estiveste ocupado hoje à tarde! – exclamei, impressionada.


- Pois estive! Mas foi com muito gosto! Sabes, filha… acho que começo a dar-te cem porcento de razão! Vamos começar uma nova vida! Juntos! Uma vida feliz!
- Sim… bestial! Bem, vou descansar um pouco para o quarto, se não te importas!
O pai assentiu com a cabeça e voltou para a cozinha, a cantarolar músicas dos anos 60. Músicas essas que ele já não cantava há muito tempo. Talvez estivesse mais feliz por saber que se ia mudar. E eu também devia estar, mas simplesmente não conseguia depois daquele dia fatídico que tinha tido.
Entrei no quarto e deitei-me na cama, recostando-me em várias almofadas para ficar ainda mais acomodada. Os meus olhos inundaram-se de lágrimas naquele momento, que caíram nas almofadas, humedecendo-as. Os soluços tinham voltado, bem como as lágrimas infinitas e incansáveis. Lembrei-me de todos os momentos que tinha passado com o Jake, momentos que não podia esquecer, mas que se estavam a desfazer aos poucos… tal como o meu coração.
Fiquei a remoer nos meus pensamentos acompanhados por lágrimas até adormecer profundamente, acordando na manhã seguinte…


***

Agora, acordar é ainda mais difícil! Não é por ter sono! Porque isso tenho sempre! Mas sim pelo facto de a Melody estar a um passo de se ir embora. Isto, no sentido figurado… porque se ela estivesse mesmo a um passo eu podia visitá-la, dando outro passo igual.
Não conseguia pensar de uma maneira, mais ou menos, como de costume, estável, sem ter de mergulhar sempre naqueles pensamentos horrendos e pavorosos que tinha, sobre a minha vida sem a minha querida amiga.


Entrei na escola e percorri aquele corredor atafulhado de raparigas pindéricas e rapazes a armarem-se em bons a olhar para os traseiros dessas raparigas pindéricas. E junto das raparigas pindéricas estavam as suas amigas, a rirem-se histericamente dizendo que os rapazes-de-calças-abaixo-das-nádegas-a-verem-se-as-cuecas-horríveis estavam a olhar para elas. E ao pé das amigas das amigas estavam as amigas das amigas das amigas, a colocar batom no espelho do cacifo e a fazer uma forma esquisita com a boca para o batom não estalar. No fundo, aquilo fazia um círculo vicioso, que me fazia uma dor de cabeça super irritante logo pela manhã.
E foi nesse instante que parei em frente à secretaria, vendo a Melody a lá entrar…

***

Empurrei a pesada porta da secretaria, pintada de um vermelho fosco e escurecido com o tempo. Lá dentro, o aquecedor manifestava a sua presença: a temperatura devia estar a 20º, o ar não era húmido como lá fora e a roupa que tinha vestida tornava-se excessiva. Do lado esquerdo da secretaria, achavam-se quatro cadeiras vermelhas, ao jeito das salas de espera dos hospitais. E, no lado oposto, uma grande mesa redonda, onde estavam canetas e papéis, com ar de rascunhos velhos e inúteis.
A fila não era muito grande, mas a rapariga que estava a ser atendida parecia exigir a atenção das três funcionárias disponíveis. A outra senhora estava sentada ao computador, com um ar pastelão e fastidioso. Enquanto aguardava a minha vez, não pude negar a nostalgia que me invadiu a alma. Apesar da certeza que tinha da minha decisão, não podia deixar de me sentir triste. Na minha mão, dentro de uma capa de plástico cor-de-rosa velho, estavam os papéis que dariam acesso à minha transferência, para a outra escola. Era, por assim dizer, a confirmação da minha decisão. De repente, reparei na senhora da secretaria que se pusera a olhar para mim com os olhos mortiços a destacarem-se na sua cara de sapo. Apercebi-me imediatamente que estava a empatar a fila, perdida nos meus pensamentos. Com um aperto no coração, entreguei-lhe a pasta e comuniquei-lhe a minha situação. Ela olhou-me ainda mais cuidadosamente, como se estivesse a avaliar-me, e, seguidamente desapareceu num gabinete escuro. Dentro de poucos segundos reapareceu, com um papel na mão que pretendia que eu assinasse. Em cerca de dez minutos, despachei-me.
Voltei a guardar tudo o que necessitava na capinha cor-de-rosa e afastei-me num passo apressado.
Puxei penosamente a porta e dei de caras com o Jake. Este virou abruptamente a cara e seguiu em frente, aumentando ainda mais o aperto que eu já detinha no meu coração.


Sentia-me terrivelmente desiludida com a atitude dele. Até era capaz de compreender a sua frustração, uma vez que nos íamos separar para sempre. Mas, constatar que ele não respeitava a minha decisão e não me apoiava, magoava-me muito. Era difícil assimilar que não teria a cooperação da pessoa que mais presenciara a minha vida. Até a Cassie compreendera-me, e ela desconhecia de bastantes pormenores. Infelizmente, a realidade era só uma: o Jake desiludira-me. E só eu sabia o quanto me magoava entender isso.
Nesse momento vi a Cassie a caminhar para mim, com uma cara super preocupada.
- Huh… tu e o Jake não se falam? Olá! Antes de mais…


- Não… chateámo-nos. Mas prefiro não falar sobre isso.
Assentiu e olhou para os meus braços, que envolviam a pasta cor-de-rosa com os processos de transferência. Notei um brilho a aparecer nos seus olhos verdes escuros.
- Já fizeste?
- O quê?
- A transferência!
- Ah! Sim, já… mas ainda posso assistir às aulas de hoje.
- Então isso quer dizer que – fungou – vais-te embora… já amanhã?
- Sim… eu sei que parece ser cedo demais, mas… o meu pai já tratou de tudo. Parece que esta é a última vez que eu vou estar nesta escola.
- Desculpa mas eu não me consigo conformar que te vais embora! Desculpa! Mas não consigo! Não consigo!


- Nem eu me conformo com a ideia de nos separarmos! Mas tens de perceber que não é por ti… nem pelo Jake… é pela minha vida, Cassie! A vida provocou-me grandes surpresas estes últimos meses, e não quero ser surpreendida outra vez!
A Cassie sorriu-me ligeiramente, virando os olhos para vários pontos do corredor de acesso à secretaria. Fungou uma vez mais e convidou-me para ir com ela ao bar, tentando fingir que não se passava nada.

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Logo à noite será lançado mais um capítulo da Melody!
E amanhã não percam, à tarde, o ÚLTIMO CAPÍTULO desta grande série!

Capítulo 112

Quando saímos da escola, não pude evitar a ansiedade que tomou conta de mim naquele momento. O Jake não tinha ido às aulas naquele dia, o que me impediu de lhe contar tudo, e me forçou a adiar aquela conversa.
- Porque será que o Jake faltou hoje? – perguntou a Cassie, intrigada.
- Não sei… estará doente?
- Ná… Talvez tenha tido preguiça! HAHAHA! Já me aconteceu muitas vezes…


- Vou procurá-lo ao campo. Se calhar ele está lá… passa a vida lá – disse, enquanto soltava uma leve gargalhada.
- Como é que achas que ele vai reagir?
- Mal… mas estou preparada!
Quando chegámos ao fim da rua da escola, a Cassie seguiu o caminho para a sua casa, e eu segui o caminho para o campo de Rugby. Notava perfeitamente a sua tristeza, embora a tentasse disfarçar. Depois de ter recebido aquela notícia, ela nunca mais ficou a mesma. Mesmo rindo-se, tendo aquelas atitudes histéricas ou soltando piadas sem graça, notava nitidamente que ela se sentia em baixo. Custava-me vê-la assim, e custava-me ainda mais ter que me despedir dela de uma vez para sempre.
No meio daqueles pensamentos que me envolveram numa nuvem de nostalgia, dei por mim junto do campo de Rugby. Mesmo ao longe conseguia ouvir os gritos de vitória do Jake. Presumi logo que ele estava a jogar.


Empurrei os portões da bilheteira do estádio, que estavam entreabertos e pisei o relvado do campo. Nesse momento uma brisa embateu contra a minha face. Uma brisa gelada, típica daquela tarde de Inverno.
Avancei, arrependendo-me por não ter trazido o meu casaco, pois o frio aumentava a cada passo que eu dava. O Jake estava a jogar com os seus amigos, por isso não me vira. Andei pelo campo e olhei em redor. Foi lá que conheci o Jake pela primeira vez… e que vi a Igreja dos Três Bispos. Foi então que me recordei do quanto a minha vida mudou num espaço de quatro meses.


Fiz sinal ao Jake, acenando com o braço, esboçando um sorriso forçado. Ele correu até mim, ofegante.
- Oi, amor! Não estava à espera de te ver aqui! – exclamou, enquanto me dava um beijo.


- Porque não vieste às aulas?
- Ah, sentiste a minha falta?! – indagou, rindo-se.
- Parvo… diz! Porque é que faltaste!
- Acordei tarde, por isso não achei que valesse a pena ir só à última aula. Eu depois digo à professora.
- Está bem…
Engoli seco e olhei para os amigos do Jake, que o esperavam olhando para ambos, como que nos controlando.
- Huh… podemos falar? A sós?
- Claro… anda.
O Jake conduziu-me para a outra parte do campo, para as últimas bancadas do flanco esquerdo.
- Estás-me a preocupar, o que se passa? – perguntou, enquanto se sentava num banco.
- Não tens razão para te preocupares. Não é nada de grave… penso eu…
- Deixa-te de rodeios! – exclamou, impacientemente – O que se passa!
Respirei fundo e fechei os olhos. Nesse momento veio-me à cabeça a imagem de Fort Sim a afastar-se de mim, ao longo a Auto-Estrada 16, a estrada que dava a acesso á cidade. Via-me no carro do pai, com este a transbordar de malas de viagem.
- Melody?! – chamou o Jake, estalando os dedos.
- Jake… - comecei, abrindo os olhos lentamente – eu vou ser muito directa! Acho que este é um assunto que não merece rodeios.


- O que se passa?
- Eu… eu vou mudar-me! Vou para outra casa… outra cidade.
A expressão do Jake mudou rapidamente. Agora denotava um misto de preocupação e tristeza.
- Tu vais o quê? Mudar-te? Assim? Sem mais nem menos? Porquê?
- Jake, vais ter de me compreender! Eu já não aguento mais estar aqui, nesta cidade. E não é só esta cidade… é a minha própria casa! Eu não consigo, Jake! Pensar as coisas que já se passaram lá…
- Porque não mudas, simplesmente, de casa? Era mais fácil para os dois! – notei que o tom de voz do Jake também mudara, ficando mais fria.
- Não é só a minha casa! Tenta compreender! Aquela Igreja, os jardins… vêm-me sempre visões à cabeça, e eu tenho a certeza que não serão as últimas! Eu… eu quero começar uma vida nova…
- E esqueceres tudo o que já viveste…?


- S-sim…!
- Queres… esquecer os momentos que passámos juntos? Queres esquecer-me a mim? A nossa relação!
- Jake, não vás por esse caminho! – exclamei, a minha voz a tremeluzir a cada sílaba.
- Vou sim… porque é a única razão que eu vejo para te mudares, assim, de repente! O que te passou pela cabeça Melody?
- Jake! Por favor, tenta compreender-me! Não sou só eu! O meu pai também está assim! Pensa só no que ele já sofreu, também não achas que ele merece uma vida melhor? Uma vida nova? Estar sempre a pensar no passado, na morte da minha mãe, não é benéfico para nós! Não percebes isso?
- E a solução é mudares-te! Melody, eu e a Cassie dávamos-te apoio, tudo o que fosse preciso! Isso não te chegava?
- E quando eu chegava a casa? Não tinha uma família? Uma vida privada? Sempre que lá chegava começava a pensar as coisas piores do mundo, que, na realidade, já aconteceram, e que eu não paro de as recordar!


- Melody! Segue em frente! Tu não paras de as recordar porque, simplesmente, não consegues! Não queres!
- Exactamente, Jake! É exactamente por isso que eu me quero mudar, porque é a única maneira de conseguir e querer esquecer todas aquelas recordações que me põem tão triste!
- Mas tu não percebes que ao te mudares estás, não só a esquecer essas “recordações, mas também a esquecer-me a mim? O nosso amor?
- PENSAS QUE É FÁCIL PARA MIM? Também tenho amizades que me vão custar muito a largar! A Cassie, por exemplo! Mas Jake, eu percebi que é o melhor para mim! E nós nunca perdemos contactos…
- Oh, por favor… não me venhas com essas conversas de relações à distância! Isso comigo não serve, Melody! Pensava que eras diferente!
- Eu é que pensava que eras diferente! Eu conheço a Cassie há mais tempo, e ela compreendeu-me! Esperava que tu, como meu namorado, também percebesses!
- E percebo… percebo que queres deixar tudo para trás… esquecer as pessoas que gostam de ti. Esquecer-me a mim!


- Jake! Que disparate!
- Sim… chama-lhe de disparate… Sabes, de todas as raparigas que eu andei, não houve nenhuma que eu gostasse mesmo… até apareceres tu! Mal olhei para ti achei que eras diferente… diferente de todas as outras raparigas! Mas enganei-me!
- E eu também pensei que tu eras diferente Jake… que me apoiarias neste momento. Pensei que me compreendesses!
- Não consigo!!! Nem me peças para tentar, porque também não quero! Eu fiz os possíveis para manter uma relação contigo, mas tu não te estás a esforçar nada!
- Jake, eu nem acredito que estás a dizer isso!


- Podes acreditar! Porque acabou, Melody! Sê feliz… e escolhe o caminho que quiseres… não me importa!
Nesse momento, o Jake virou-me costas e saiu do campo. Os seus amigos pararam de jogar, ao verem a sua cara furiosa e a sair de rompante do estádio, deixando-me ali sozinha. O Michael chegou-se ao pé de mim, tentando perceber o que se tinha passado.
- Está tudo bem, Melody?
- Está… tudo bem! Tenho de ir! Tchau!
Não consegui disfarçar a raiva que sentia. Peguei na minha mala e saí do campo num passo acelerado. Eu já previa que a reacção do Jake não ia ser boa, mas nunca pensei que chegasse àquele extremo. Tinha acabado tudo! A nossa relação tinha acabado! Apesar de não acreditar, tinha de me conformar com os factos. O Jake não se esforçou nada para me compreender, e eu esperava exactamente o oposto! Esperava que ele, como um rapaz especial que eu achava que era, ia tentar compreender e apoiar-me com a minha decisão… mas enganei-me redondamente!
Sentia um misto de raiva e tristeza, não conseguindo segurar uma lágrima que me caiu do olho, seguida de um soluço, enquanto regressava a casa.


Trailer 3

Aqui vai um trailer mais de reflexão, mas que também mostra cenas que se vão passar nos próximos (e últimos) 4 capítulos! Espero que gostem!


Capítulo 111

No dia seguinte acordei quase sem vontade nenhuma de encarar o complicado dia que ia ter pela frente. A partir do momento em que pus o pé na rua não conseguia pensar em mais nada senão numa maneira de dizer à Cassie e ao Jake que me ia mudar. Reconhecia que contar ao Jake iria ser a parte mais difícil. Queria dizer-lhe da melhor forma possível, embora seja um pouco complicado com uma notícia destas. Não é propriamente uma notícia boa… muito pelo contrário. Eu estava ciente de que me ia atrever a deixar quase tudo para trás, e que a reacção, ora da Cassie ora do Jake, podia não ser das melhores. Eles podiam não compreender a razão.
Quando cheguei à escola e me despedi do pai, estremeci ligeiramente. Olhei para o edifício, como se nunca o tivesse visto. Tinha receio de lá entrar, pensando na reacção dos meus amigos quando recebessem a notícia. Caminhei pelo carreiro pedonal serpenteado de pequenos arbustos, despidos. Alguns deles com latas de refrigerantes entrelaçados nos seus galhos. Caminhava pelo carreiro como se fosse a primeira vez que o fazia, quando cheguei à escola pela primeira vez no meu sétimo ano.
Mas os meus sentidos estavam errados… aquela era, talvez, a última vez que eu ia atravessar aqueles portões forjados, aquele carreiro de pedra avermelhada, aquela porta de acesso ao átrio da entrada.
Vagueei pelo átrio e reparei que a Cassie já tinha chegado, embora não a visse. Por cima das centenas de cabeças que a tapavam, conseguia ver o seu cacifo aberto. Era a primeira coisa que ela fazia, sempre que chegava à escola.
- Hei, Cassie… - cumprimentei.


- MELODYYY! Olá! Estás boa? – retorquiu, com uma boa disposição sobrenatural, logo pela manhã.
- Estou… dentro dos possíveis.
- Ainda estás triste? Isso passa! Telefona ao teu tio MOOOONTES de vezes! Umas dez vezes por dia! Não! Dez vezes por hora!
- Cassie, ele tem vida própria, não é?
- Ah, pois. Sim… tens razão!
Abri o meu cacifo e coloquei no seu interior a minha mala. Olhei para a parte de dentro da porta de observei durante alguns instantes as fotografias que tinha lá pendurado. A maioria eram fotografias de mim e da Cassie a fazermos palhaçadas, o que tornava impossível ficar apática perante elas, sem esboçar um sorriso, por mais pequeno que fosse.
Suspirei e fechei a porta do cacifo.
- Melody, agora a sério… - disse a Cassie, olhando para mim seriamente – Tu estás a começar a preocupar-me! A sério que estás! O que se passa?


Olhei em redor, sem responder. Estavam demasiadas pessoas ali à volta, o que impossibilitava ter uma conversa sossegada com a Cassie.
- Anda… vamos para a sala, lá não está ninguém…
- Mas… porquê?
- Preciso de falar contigo!
Encaminhei a Cassie para a sala onde íamos ter aulas a seguir. Lá conseguia-se sentir perfeitamente o silêncio que retinha. Era realmente um ambiente diferente daquele a que todos estão habituados: o barulho de uma multidão imensa.
Pedi à Cassie que se sentasse, mas estava demasiado inquieta pelo mistério que fiz sobre aquele assunto.
- Cassie, acredita que não foi fácil tomar esta decisão… - comecei, enquanto mexia nos paus de giz que estavam na secretária da professora.
- Que decisão, Melody? Estás-me a preocupar! É por minha causa? Eu fiz algo de errado? Eu sei que sim! Sou uma péssima amiga!


- Cassie…
- Eu nunca devia ter ido para o lado das trevas para o qual aquela lambisgóia me levou! Nunca devia ter-te esquecido amiga! – o seu tom de voz estava ligeiramente teatral. – Mas sabes uma coisa? A amizade que eu sinto por ti nunca morreu! NUNCA! E seja qual for a tua decisão, eu aceitarei! Mas espero que não te esqueças que…
- CASSIE! Não é nada sobre ti, OK? É sobre mim!
- Ah… desculpa! Descontrolei-me!
- Deu para ver! – respirei fundo e fui directa ao assunto. – Não vai ser fácil dizer-te isto! Mas não tenho alternativa! Quero que sejas a primeira pessoa a sabê-lo…
- ESTÁS GRÁVIDA???? – os seus olhos arregalaram-se estranhamente. – OH! Um Jake Júnior!!!


- Ai Cassie, que disparate! És capaz de me ouvir, por favor?
- Está bem… desculpa! Diz…
- Eu vou mudar-me!
Os seus olhos arregalados transformaram-se em dois globos vítreos estranhamente abertos, como se nem tivesse pálpebras.
- Vais… v-vais… vais o quê? Ah, certo… vais mudar de casa! Isso é bom! Conta-me, vais para alguma mansão? Era giro!
- Sim, vou mudar de casa… e não só. Vou mudar de cidade!
- Mudar de cidade? – a sua voz ficou trémula. – Mas… porquê?


- Eu não me sinto bem, Cassie! Lá em casa só me conseguia lembrar da morte da minha mãe… não conseguia estar em harmonia com aquela casa… e ainda não consigo!
- Mas tu…
- Tenho-vos a vocês… sim! Eu sei Cassie! Vocês deram-me um grande apoio! Foram fantásticos comigo! No entanto, sempre que chegava a casa lembrava-me dela! E de tudo o que aconteceu no passado! Cassie, eu vim ter contigo porque esperava que me compreendesses! Será que consegues?
Ela olhou para mim, com os seus olhos a brilharem, prestes a brotarem lágrimas. Não teve reacção nenhuma, e apenas me abraçou carinhosamente.
- S-sim… sim… eu compreendo, Melody! Embora seja muito… difíicl!


A sua última palavra foi dita tão tremulamente que mal percebi. Nunca tinha visto a Cassie naquele estado, pelo que me fez chorar também.
- Cassie! Nós nunca vamos perder o contacto! Nunca! Sabes disso, não sabes?
- S-sim…
- E sabes que me podes sempre visitar, e eu a ti!
- Mas não é a mesma coisa! Como é que eu venho para a escola, sem te ter a ti, amiga? Como?
- Cassie, vai ser muito difícil para as duas! Mas tens de me compreender!
Limpou as lágrimas rapidamente quando sentiu que eu também estava a chorar, e esboçou um sorriso forçado.
- Sim! Eu compreendo-te amiga! Tudo o que seja melhor para ti!


- Obrigada… tinha medo que não entendesses. Mas vou ter ainda mais medo quando for contar tudo ao Jake…
- Quando é que lhe pensas contar? – perguntou a Cassie, limpando as lágrimas à manga da sua camisa.
- Ainda hoje…