Capítulo 114

O facto de saber que aquela era a última tarde que ela ia estar comigo, punha-a abalada para o resto do dia. A Cassie esteve mortiça todo o dia. Já não se ria nem tinha aquela boa disposição que costumava sempre ter, nem se esforçava para a dar a entender.
Apesar do alento que sentia em sair daquela cidade, não podia evitar aquele ímpeto de tristeza que se intensificava ao longo do dias causado pelo facto de deixar uma grande amiga.
Quando deu o toque para a saída, eu e a Cassie ficámos a falar alegremente à porta da escola, embora essa alegria se viesse a dissipar quando chegou a altura da despedida.
- Lembras-te daquela vez em que nós colámos pastilha elástica no cabelo do rapaz que andava atrás de mim? – indagou a Cassie, rindo-se ás gargalhadas.


- Como é que não me podia lembrar? Fartámo-nos de rir quando ele chegou á escola no dia seguinte com uma falha nesse sítio do cabelo! Estava completamente careca nessa zona!
As gargalhadas envolveram-me numa onde de boa disposição e humor, e sentia que a Cassie também assim se sentira, embora o seu sorriso viesse a desaparecer.
- Meu Deus, já viste as horas? – balbuciou, olhando para o seu relógio.
- Tens alguma coisa para fazer hoje à tarde?
- Sim! O meu pai deve estar à minha espera para o ajudar na sua loja! E já estou atrasada!
Nesse momento, o Jake e os seus amigos saíram também da escola. Ele olhou de relance para mim e desviou imediatamente o olhar para a sua mota, pondo o capacete e montando nela. As gargalhadas que os seus amigos soltavam denotavam que o Jake não estava nada afectado com a nossa discussão do dia anterior, pois este também se ria.
- Estúpido! Cabelo-lambido! – resmungou a Cassie, olhando para o grupo.


- Cabelo-lambido? – repeti, ignorando rapidamente aquela observação – Bem… então vais já?
- Diz? Ah, sim! Oh Mel! Vem comigo para a loja! Assim ajudavas-me e passávamos mais tempo juntas!
- Lamento, mas também não posso, Cassie! Vou ter de fazer as malas para amanhã! Parto de manhã cedo…
Denotou uma expressão aterrorizada mas simultaneamente triste, enquanto fazia rolinhos com o seu cabelo.
- Então… - fungou, mordendo o lábio – quer dizer que isto é… uma despedida?
- Não tem propriamente que ser! Vamos voltar a ver-nos mais cedo do que pensas…
- Melody… posso ter este ar de lunática, e sou mesmo, posso ser “infantil” e “histérica” mas estou muito a par da realidade! Eu não acredito em Contos de Fadas, Mel. Eu sei que não nos vamos voltar a ver…


A sua voz já não estava num tom de brincadeira, mas sim um tom sério e adulto, como nunca ouvira antes, acompanhado de uma lágrima ao canto do olho.
- Cassie! Que disparate! A sério… preferia que, neste momento, estivesses a mandar piadas ao invés dessa baboseira que acabaste de dizer! É claro que nos vamos voltar a ver! Isso é óbvio! Basta acreditarmos na nossa amizade!
Sorriu ligeiramente, acariciando-me o braço com o seu olhar terno.
- Admiro o teu optimismo, sabes… Mesmo neste momento consegues ser optimista. Mas eu vou aceitar a realidade… vamos continuar a contactar-nos, mas nunca mais será o mesmo!
- Oh Cassie… - disse, chorando e abraçando-a.


- Tu… foste a melhor amiga que já tive em toda a minha vida! Nunca te vou esquecer amiga!
- Nem eu, Cassie! Nem eu!
Respirámos fundo e pegámos nas malas que estavam no chão.
- Liga-me quando chegares! – exclamou a Cassie.
- E não só! Irei ligar-te todos os dias!
Rimo-nos em conjunto, embora os soluços fossem inúmeros. Aquela despedida tinha sido mais difícil do que eu pensava. Deixar uma amiga para trás era mais difícil do que, simplesmente, perdê-la. Era uma sensação angustiante que me sufocava intensamente. Significava colocar doze anos de amizade para trás das costas, embora estabelecêssemos contacto.

***

Aproximei-me do piano. Passei a mão pela madeira áspera e rugosa que este detinha, sentido a fina camada de pó que o cobria. Lembrei-me dos tempos em que passava tardes inteiras em frente àquelas teclas de marfim, a tocar melodias que nem eu sabia de onde vinham. Não tinha pauta, mas as músicas estavam todas gravadas na minha mente.


Sentei-me no banco do piano e removi algum excesso de pó que se entranhava no meio das teclas. Respirei fundo e comecei a tocar. A música assemelhava-se à melodia da caixa de música…


***

Tinha a caixa de música pousava na mesa-de-cabeceira. A bailarina brilhava sobre a luz dourada projectada do pequeno candeeiro cor-de-rosa. Aquela melodia não cessava, fazendo-me fechar os olhos e viajar para os mundos mais hostis onde nem os meus sonhos conseguiam chegar.


Abri os olhos. Olhei em redor. Olhei para as estantes de livros encostadas ás paredes do meu quarto. Todas elas estavam vazias, encontrando-se os livros dentro de pilhas de caixas de cartão, com o meu nome escrito a caneta de feltro, para as identificar.
Olhei para a secretária e o computador já estava dentro de outra caixa de cartão, juntamente com um candeeiro sem lâmpada, que não utilizava há muito tempo, e todos os pertences das gavetas.
Peguei na moldura que guardava a fotografia da mãe e coloquei-a dentro de outra caixa, onde se encontrava escrito: «FRÁGIL».
Abri a gaveta da mesa-de-cabeceira e peguei num molho de fotografias de eu e da Cassie a pousar, fazendo caretas, as quais não resistiam durante muito tempo, porque começávamos rapidamente a rir-nos. Levei as fotografias ao peito e fechei os olhos, imaginando essas imagens na minha cabeça.




Estava a poucas horas de me ir embora. Apenas sabia que era o melhor para mim, nem tinha parado para pensar se estava realmente preparada para uma mudança…


2 Response to "Capítulo 114"

  • Diogo Says:

    Está muito bom! Adorei a despedida e as frases que crias-te!
    Agora mais do que nunca nao queria que acabasse mas temos de deixar a Melody ter/ começar uma nova vida cheia de alegrias!
    Parabens, espero hoje atentamente pelo ultimo! ;)


  • João Says:

    Mesmo muito bom, o sentimento de despedida estava mesmo forte!
    AMEI mesmo mesmo mesmo muito!
    Quero ver o último epi! *choro*


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