Capítulo 111

No dia seguinte acordei quase sem vontade nenhuma de encarar o complicado dia que ia ter pela frente. A partir do momento em que pus o pé na rua não conseguia pensar em mais nada senão numa maneira de dizer à Cassie e ao Jake que me ia mudar. Reconhecia que contar ao Jake iria ser a parte mais difícil. Queria dizer-lhe da melhor forma possível, embora seja um pouco complicado com uma notícia destas. Não é propriamente uma notícia boa… muito pelo contrário. Eu estava ciente de que me ia atrever a deixar quase tudo para trás, e que a reacção, ora da Cassie ora do Jake, podia não ser das melhores. Eles podiam não compreender a razão.
Quando cheguei à escola e me despedi do pai, estremeci ligeiramente. Olhei para o edifício, como se nunca o tivesse visto. Tinha receio de lá entrar, pensando na reacção dos meus amigos quando recebessem a notícia. Caminhei pelo carreiro pedonal serpenteado de pequenos arbustos, despidos. Alguns deles com latas de refrigerantes entrelaçados nos seus galhos. Caminhava pelo carreiro como se fosse a primeira vez que o fazia, quando cheguei à escola pela primeira vez no meu sétimo ano.
Mas os meus sentidos estavam errados… aquela era, talvez, a última vez que eu ia atravessar aqueles portões forjados, aquele carreiro de pedra avermelhada, aquela porta de acesso ao átrio da entrada.
Vagueei pelo átrio e reparei que a Cassie já tinha chegado, embora não a visse. Por cima das centenas de cabeças que a tapavam, conseguia ver o seu cacifo aberto. Era a primeira coisa que ela fazia, sempre que chegava à escola.
- Hei, Cassie… - cumprimentei.


- MELODYYY! Olá! Estás boa? – retorquiu, com uma boa disposição sobrenatural, logo pela manhã.
- Estou… dentro dos possíveis.
- Ainda estás triste? Isso passa! Telefona ao teu tio MOOOONTES de vezes! Umas dez vezes por dia! Não! Dez vezes por hora!
- Cassie, ele tem vida própria, não é?
- Ah, pois. Sim… tens razão!
Abri o meu cacifo e coloquei no seu interior a minha mala. Olhei para a parte de dentro da porta de observei durante alguns instantes as fotografias que tinha lá pendurado. A maioria eram fotografias de mim e da Cassie a fazermos palhaçadas, o que tornava impossível ficar apática perante elas, sem esboçar um sorriso, por mais pequeno que fosse.
Suspirei e fechei a porta do cacifo.
- Melody, agora a sério… - disse a Cassie, olhando para mim seriamente – Tu estás a começar a preocupar-me! A sério que estás! O que se passa?


Olhei em redor, sem responder. Estavam demasiadas pessoas ali à volta, o que impossibilitava ter uma conversa sossegada com a Cassie.
- Anda… vamos para a sala, lá não está ninguém…
- Mas… porquê?
- Preciso de falar contigo!
Encaminhei a Cassie para a sala onde íamos ter aulas a seguir. Lá conseguia-se sentir perfeitamente o silêncio que retinha. Era realmente um ambiente diferente daquele a que todos estão habituados: o barulho de uma multidão imensa.
Pedi à Cassie que se sentasse, mas estava demasiado inquieta pelo mistério que fiz sobre aquele assunto.
- Cassie, acredita que não foi fácil tomar esta decisão… - comecei, enquanto mexia nos paus de giz que estavam na secretária da professora.
- Que decisão, Melody? Estás-me a preocupar! É por minha causa? Eu fiz algo de errado? Eu sei que sim! Sou uma péssima amiga!


- Cassie…
- Eu nunca devia ter ido para o lado das trevas para o qual aquela lambisgóia me levou! Nunca devia ter-te esquecido amiga! – o seu tom de voz estava ligeiramente teatral. – Mas sabes uma coisa? A amizade que eu sinto por ti nunca morreu! NUNCA! E seja qual for a tua decisão, eu aceitarei! Mas espero que não te esqueças que…
- CASSIE! Não é nada sobre ti, OK? É sobre mim!
- Ah… desculpa! Descontrolei-me!
- Deu para ver! – respirei fundo e fui directa ao assunto. – Não vai ser fácil dizer-te isto! Mas não tenho alternativa! Quero que sejas a primeira pessoa a sabê-lo…
- ESTÁS GRÁVIDA???? – os seus olhos arregalaram-se estranhamente. – OH! Um Jake Júnior!!!


- Ai Cassie, que disparate! És capaz de me ouvir, por favor?
- Está bem… desculpa! Diz…
- Eu vou mudar-me!
Os seus olhos arregalados transformaram-se em dois globos vítreos estranhamente abertos, como se nem tivesse pálpebras.
- Vais… v-vais… vais o quê? Ah, certo… vais mudar de casa! Isso é bom! Conta-me, vais para alguma mansão? Era giro!
- Sim, vou mudar de casa… e não só. Vou mudar de cidade!
- Mudar de cidade? – a sua voz ficou trémula. – Mas… porquê?


- Eu não me sinto bem, Cassie! Lá em casa só me conseguia lembrar da morte da minha mãe… não conseguia estar em harmonia com aquela casa… e ainda não consigo!
- Mas tu…
- Tenho-vos a vocês… sim! Eu sei Cassie! Vocês deram-me um grande apoio! Foram fantásticos comigo! No entanto, sempre que chegava a casa lembrava-me dela! E de tudo o que aconteceu no passado! Cassie, eu vim ter contigo porque esperava que me compreendesses! Será que consegues?
Ela olhou para mim, com os seus olhos a brilharem, prestes a brotarem lágrimas. Não teve reacção nenhuma, e apenas me abraçou carinhosamente.
- S-sim… sim… eu compreendo, Melody! Embora seja muito… difíicl!


A sua última palavra foi dita tão tremulamente que mal percebi. Nunca tinha visto a Cassie naquele estado, pelo que me fez chorar também.
- Cassie! Nós nunca vamos perder o contacto! Nunca! Sabes disso, não sabes?
- S-sim…
- E sabes que me podes sempre visitar, e eu a ti!
- Mas não é a mesma coisa! Como é que eu venho para a escola, sem te ter a ti, amiga? Como?
- Cassie, vai ser muito difícil para as duas! Mas tens de me compreender!
Limpou as lágrimas rapidamente quando sentiu que eu também estava a chorar, e esboçou um sorriso forçado.
- Sim! Eu compreendo-te amiga! Tudo o que seja melhor para ti!


- Obrigada… tinha medo que não entendesses. Mas vou ter ainda mais medo quando for contar tudo ao Jake…
- Quando é que lhe pensas contar? – perguntou a Cassie, limpando as lágrimas à manga da sua camisa.
- Ainda hoje…

2 Response to "Capítulo 111"

  • Diogo Says:

    Tinhas de acabar assim!
    Adorei, coitada delas, as duas. Perder uma amizade nao é nada bom especialmente quando já tem bastantes anos, mas acho que o mais dificil ainda esteja para vir!


  • mmoedinhas Says:

    Ai porque é que sempre que olho para a Cassie olho para um espelho? É impressionante, ambas somos duas histericas totos, com ideias totos e perversas na cabeça e energia sobrenatural todo o dia... *medo*
    Eu sabia que ia ser assim, principalmente porque isto ja me aconteceu... É horrivel, ter de perder alguem que se confia tudo e com que se pode sempre contar.
    PORQUE TINHA DE SER ASSIM Ç.Ç que cruel
    Ai e agora o Jake?????


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