Capítulo 113

***

Estava furioso naquele momento. A cólera que sentia era incontrolável, embora tivesse a ligeira sensação que tinha sido precipitado quanto à minha decisão. A revolta que tomava conta de mim e me causava um enorme aperto no peito fazia-me aumentar ainda mais a velocidade da minha mota, passando os ponteiros do velocímetro desta para os quilómetros máximos: 120 quilómetros por hora.


Não parei nos semáforos vermelhos nem nos sinais de «STOP» e continuei a minha precipitada e acelerada condução, enquanto alguns chuviscos embatiam contra o vidro do meu capacete.


Para ser sincero, nem tomava destino algum, apenas seguia em frente pela Via Rápida, vendo os carros a passar ao meu lado, com os limpa pára-brisas ligados, para não perderem a visibilidade no meio daquela chuva que se ia intensificando ao longo do tempo.


***


Parei à porta de casa e tirei as chaves de dentro da mala. Preparei-me para a abrir mas hesitei. Os meus olhos estavam vermelhos de tanto chorar pelo caminho, e os soluços ainda se faziam sentir. Respirei fundo e fechei os olhos. Mais uma imagem me veio à cabeça… O Jake a discutir comigo. Era a única coisa em que conseguia pensar naquele momento.
Finalmente, abri a porta e limpei os pés ao tapete. Entrei em casa e pousei as chaves no aparador do hall. Ouvi passos vindos da cozinha, e quando me virei para trás vi o pai, com um pano de cozinha pousado no ombro, com uma cara satisfeita.
- Olá, filha! Estás boa? – cumprimentou-me, dando-me um beijo na testa.


- Olá, pai. Sim, estou bem. E tu… como estás? – tentava disfarçar a minha tristeza, mas não conseguia. Mas com a felicidade que o pai sentia, nem reparava em nada.
- Tenho óptimas notícias! O meu chefe aceitou fazer-me transferência para as empresas de Hillywood! É lá para onde vamos, filha! Já estive a ver apartamentos, e já encontrei um barato!
- A sério? Mas isso é muito bom!
- Sim! E, segundo uma pesquisa que fiz hoje à tarde, aquela cidade tem óptimas escolas e Universidades, por isso não tens de ter problema! Agora… só preciso que leves uns papéis para a tua escola. Já assinei tudo o que tinha a assinar, agora é só entregá-los e já tens transferência de escola autorizada!
- Bem, estiveste ocupado hoje à tarde! – exclamei, impressionada.


- Pois estive! Mas foi com muito gosto! Sabes, filha… acho que começo a dar-te cem porcento de razão! Vamos começar uma nova vida! Juntos! Uma vida feliz!
- Sim… bestial! Bem, vou descansar um pouco para o quarto, se não te importas!
O pai assentiu com a cabeça e voltou para a cozinha, a cantarolar músicas dos anos 60. Músicas essas que ele já não cantava há muito tempo. Talvez estivesse mais feliz por saber que se ia mudar. E eu também devia estar, mas simplesmente não conseguia depois daquele dia fatídico que tinha tido.
Entrei no quarto e deitei-me na cama, recostando-me em várias almofadas para ficar ainda mais acomodada. Os meus olhos inundaram-se de lágrimas naquele momento, que caíram nas almofadas, humedecendo-as. Os soluços tinham voltado, bem como as lágrimas infinitas e incansáveis. Lembrei-me de todos os momentos que tinha passado com o Jake, momentos que não podia esquecer, mas que se estavam a desfazer aos poucos… tal como o meu coração.
Fiquei a remoer nos meus pensamentos acompanhados por lágrimas até adormecer profundamente, acordando na manhã seguinte…


***

Agora, acordar é ainda mais difícil! Não é por ter sono! Porque isso tenho sempre! Mas sim pelo facto de a Melody estar a um passo de se ir embora. Isto, no sentido figurado… porque se ela estivesse mesmo a um passo eu podia visitá-la, dando outro passo igual.
Não conseguia pensar de uma maneira, mais ou menos, como de costume, estável, sem ter de mergulhar sempre naqueles pensamentos horrendos e pavorosos que tinha, sobre a minha vida sem a minha querida amiga.


Entrei na escola e percorri aquele corredor atafulhado de raparigas pindéricas e rapazes a armarem-se em bons a olhar para os traseiros dessas raparigas pindéricas. E junto das raparigas pindéricas estavam as suas amigas, a rirem-se histericamente dizendo que os rapazes-de-calças-abaixo-das-nádegas-a-verem-se-as-cuecas-horríveis estavam a olhar para elas. E ao pé das amigas das amigas estavam as amigas das amigas das amigas, a colocar batom no espelho do cacifo e a fazer uma forma esquisita com a boca para o batom não estalar. No fundo, aquilo fazia um círculo vicioso, que me fazia uma dor de cabeça super irritante logo pela manhã.
E foi nesse instante que parei em frente à secretaria, vendo a Melody a lá entrar…

***

Empurrei a pesada porta da secretaria, pintada de um vermelho fosco e escurecido com o tempo. Lá dentro, o aquecedor manifestava a sua presença: a temperatura devia estar a 20º, o ar não era húmido como lá fora e a roupa que tinha vestida tornava-se excessiva. Do lado esquerdo da secretaria, achavam-se quatro cadeiras vermelhas, ao jeito das salas de espera dos hospitais. E, no lado oposto, uma grande mesa redonda, onde estavam canetas e papéis, com ar de rascunhos velhos e inúteis.
A fila não era muito grande, mas a rapariga que estava a ser atendida parecia exigir a atenção das três funcionárias disponíveis. A outra senhora estava sentada ao computador, com um ar pastelão e fastidioso. Enquanto aguardava a minha vez, não pude negar a nostalgia que me invadiu a alma. Apesar da certeza que tinha da minha decisão, não podia deixar de me sentir triste. Na minha mão, dentro de uma capa de plástico cor-de-rosa velho, estavam os papéis que dariam acesso à minha transferência, para a outra escola. Era, por assim dizer, a confirmação da minha decisão. De repente, reparei na senhora da secretaria que se pusera a olhar para mim com os olhos mortiços a destacarem-se na sua cara de sapo. Apercebi-me imediatamente que estava a empatar a fila, perdida nos meus pensamentos. Com um aperto no coração, entreguei-lhe a pasta e comuniquei-lhe a minha situação. Ela olhou-me ainda mais cuidadosamente, como se estivesse a avaliar-me, e, seguidamente desapareceu num gabinete escuro. Dentro de poucos segundos reapareceu, com um papel na mão que pretendia que eu assinasse. Em cerca de dez minutos, despachei-me.
Voltei a guardar tudo o que necessitava na capinha cor-de-rosa e afastei-me num passo apressado.
Puxei penosamente a porta e dei de caras com o Jake. Este virou abruptamente a cara e seguiu em frente, aumentando ainda mais o aperto que eu já detinha no meu coração.


Sentia-me terrivelmente desiludida com a atitude dele. Até era capaz de compreender a sua frustração, uma vez que nos íamos separar para sempre. Mas, constatar que ele não respeitava a minha decisão e não me apoiava, magoava-me muito. Era difícil assimilar que não teria a cooperação da pessoa que mais presenciara a minha vida. Até a Cassie compreendera-me, e ela desconhecia de bastantes pormenores. Infelizmente, a realidade era só uma: o Jake desiludira-me. E só eu sabia o quanto me magoava entender isso.
Nesse momento vi a Cassie a caminhar para mim, com uma cara super preocupada.
- Huh… tu e o Jake não se falam? Olá! Antes de mais…


- Não… chateámo-nos. Mas prefiro não falar sobre isso.
Assentiu e olhou para os meus braços, que envolviam a pasta cor-de-rosa com os processos de transferência. Notei um brilho a aparecer nos seus olhos verdes escuros.
- Já fizeste?
- O quê?
- A transferência!
- Ah! Sim, já… mas ainda posso assistir às aulas de hoje.
- Então isso quer dizer que – fungou – vais-te embora… já amanhã?
- Sim… eu sei que parece ser cedo demais, mas… o meu pai já tratou de tudo. Parece que esta é a última vez que eu vou estar nesta escola.
- Desculpa mas eu não me consigo conformar que te vais embora! Desculpa! Mas não consigo! Não consigo!


- Nem eu me conformo com a ideia de nos separarmos! Mas tens de perceber que não é por ti… nem pelo Jake… é pela minha vida, Cassie! A vida provocou-me grandes surpresas estes últimos meses, e não quero ser surpreendida outra vez!
A Cassie sorriu-me ligeiramente, virando os olhos para vários pontos do corredor de acesso à secretaria. Fungou uma vez mais e convidou-me para ir com ela ao bar, tentando fingir que não se passava nada.

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Logo à noite será lançado mais um capítulo da Melody!
E amanhã não percam, à tarde, o ÚLTIMO CAPÍTULO desta grande série!

3 Response to "Capítulo 113"

  • mmoedinhas Says:

    AI que medo no principio ja tava-me a vir à cabeça imagens de jakes paraplegicos O.o Mas correu tudo bem ufa
    Bem estive a pensar melhor, tabem melody, podes ir, rapazes ha muitos e cassies ha poucas mas essa na perdes... xD Alias o jake foi mesmo parvo, nem sei o que me passou pela cabeça, mas e que eu me sentia como ele sabes? Tipo abandonar tudo de repente, parecia-me um bocado egocentrico!
    CASSIE E MINHA GEMEA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! *pronto parou a histeria*
    Esta quase a acabar!!! Ç.Ç cap 115... Tao perto!!!!!!!!


  • Diogo Says:

    Eu nao queria que acabasse mas este da um grande passo! Muito bom, adore e os pontos de visto das diferentes personagens! Esta muito bom, era bom poder acontecer isso na vida real mas não!
    PARABENS E CONTINUAAAA :D :D :D


  • João Says:

    LINDO! PERFEITO! Não acredito que amanhã acaba *choro*
    HAAA!
    CELESTIALMENTE LINDO! *.*


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