Capítulo 19

Todos os canais de Televisão diziam o mesmo: Alerta Vermelho. Estava bastante vento e chuva lá fora. Conseguia ouvir o assobiar do vento, o flutuar das copas verdejantes das árvores do quintal.
Ao jantar, o meu pai não parava de me bombardear com perguntas e assuntos de conversa, quando a coisa que eu mais queria era estar em silêncio.



- Como estão a correr as aulas? – Perguntou ele com a boca cheia.
- Bem…
- E o tal trabalho? Aquele teu colega parecia-me bastante simpático.
- Sim… é.
- Que se passa contigo, filha? Estás tão ausente. Estarás doente?
- Não, pai. Não te preocupes. Só ando cansada, mais nada.
Levantei-me… as minhas pernas latejavam. Sentia-me estranhamente ausente, embora não estivesse a pensar em nada. Não me apetecia falar, coisa que o meu pai embirra bastante. Fui para o quarto, sentei-me na cama e tentei ler um livro que tinha requisitado na Biblioteca da escola, mas as letras estavam desfocadas e andavam de um lado para o outro, até a minha vista chorava. Esfreguei os olhos. Ainda tentei ler mais um pouco, mas era escusado, nem uma palavra conseguia ler. Preparei a minha mochila e deitei-me. Nem aqueles Profiteroles que tinha como sobremesa, recheados de Chantilly e cobertos de chocolate quente, me fizeram levantar da cama.
Recolhi-me nos cobertores, desta vez reforçados com mais duas camadas, e fechei os olhos. A única coisa que ouvi quando adormeci, foram aqueles risos… aquelas gargalhadas de criança com o chiar do baloiço. Até que adormeci, e já se pode adivinhar o que sonhei…
Sonhei outra vez com aquela Capela… mas desta vez, senti que era diferente. Apesar de já a ter visto algumas vezes, desta vez a Capela estava muito diferente. Os sinos tocavam, projectando uma melodia muito agradável por toda a cidade.



Ouvia-se de longe. Não me lembro mais nada, se não um som de travagem de um carro, com uma buzinadela a seguir… Foi horrível.
Eu já não estou a entender nada. Estou confusa. Sinto-me sempre ausente e sem vontade de estar com ninguém, tenho estes sonhos, alucinações… Sinto-me completamente atraída por uma Igreja. O que se está a passar comigo?
Levantei-me da cama, vendo os primeiros raios de sol penetrando nas janelas. Fiz os meus cereais, pois, estava faminta… tinha comido mal ao jantar.
Deixei um bilhete no frigorífico para o meu pai ler quando acordasse e fui logo para a Escola. Pelo caminho, ouvi o soar de Sinos. Ecoavam por todas as ruas e bosques daquela zona, chegando-me aos ouvidos. Aquele som tranquilizou-me...
Abrandei o meu passo, cada vez mais, e fiquei a ouvir aquela doce melodia que os Sinos da Igreja proporcionavam. Fechei os olhos, nem o barulho dos carros me incomodava. Pela primeira vez naquele ano, relaxei um pouco.



Consegui ouvir os pequeníssimos sons da Natureza, que nunca ninguém tem tempo nem vontade de ouvir. Eu conseguia reparar que dentro daqueles carros que se movimentavam caoticamente, havia pessoas que não conseguiam ouvir a Natureza. Aliás, todos nós a esquecemos. Ela agora é apenas o chão que nós pisamos, nada mais, mas se pararmos por uns instantes, fecharmos os olhos e ouvirmos um pouco o que a Natureza nos tem para dar, descobrimos sons inacreditáveis que nunca pensámos que existiam. Sons que nos acalmam, que nos fazem esquecer o stress que nos rodeia no nosso dia-a-dia.



Mas aquela minha calma logo se transformou em ansiedade. Por instantes, no meio daqueles maravilhosos sons da Natureza ouvi, outra vez, os risos da criança. No meio daquela rua, repleta de crianças, já nem sabia se era real ou não. Não… não era real. Aqueles risos que me invadiam a cabeça eram muito diferentes dos das outras crianças daquela rua. Um riso, que parecia meio feliz e meio sofredor. Abri os olhos, olhei em redor… do outro lado da estrada, estava a Igreja. Cometi uma loucura. Pus um pé na estrada, não reparando se era na passadeira ou não, depois outro… atravessei a estrada completamente lunática, até que olhei para o lado e um carro vinha na minha direcção a toda a velocidade.





Fez uma travagem repentina, causando um som perturbador com os pneus, e depois, o condutor buzinou, furioso dizendo:
- Oh miúda! Vê para onde andas! Queres morrer, é?
- Desculpe! Peço imensa desculpa! – Lamentei eu, correndo para a calçada.
Apanhei um susto de morte, o meu coração batia a toda a velocidade. Parei um pouco, fiquei a olhar para o carro, que já ia muito à frente virando numa curva acentuada. Recuperei o fôlego e olhei de novo para a Igreja. Caminhei até lá… os Sinos não paravam de tocar. Ainda me pergunto se alguém vem àquele lugar, tirando os padres que provavelmente habitam dentro dela. Mas essas pessoas não sabem o que perdem… eu sempre que vou àquela Igreja a minha alma fica reconfortada e esqueço-me de tudo e todos os problemas que me aguardam na Escola. Mas ainda há algo que me faz ter vontade de ir para a Escola… algo ou alguém. Apesar de não ter vontade, às vezes sinto-me com bastante confiança e vontade de ir para a Escola… O que será?

4 Response to "Capítulo 19"

  • Diogo Says:

    ADOREI MESMO, digo mesmo que tinha saudades desta tua brilhante capacidade de escrever e de nos apixonares com " a tua melodia" do escrever.
    Espero ANSIOSAMENTE pelo proximo!


  • Mr.Lis Says:

    Bem esta espera valeu a pena =D
    O episodio esta mesmo muito bonito =D


    Muitos parabens!


  • João Says:

    Muito bom!
    Adorei!
    Acho que falo por todos quando digo: Queremos mais!!!!!!
    Agora é só continuar, n ha nada a melhorar!
    Ta tudo perfeito!
    Dá-lhe Gás!

    lol


  • mmoedinhas Says:

    OMG! este foi o melhor de todos até agora!!!!!! Muito poético ;D
    Adoro a foto em que a melody está com os olhos fechados! Simplesmente maravihosa!
    Bem tudy o que será que lhe faz ter vontade de ir à escola? Tenho quase a certeza que começa com um J e acaba com ake.
    Espero por mais!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    Deg deg


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