Capítulo 22

Acordei na manhã seguinte após ter dormido apenas uma hora e meia. Sabia que não podia faltar… era o dia da apresentação do trabalho.
Quando fui para a cozinha, o meu pai já estava acordado, dizendo, no meio de loiça partida e passos acelerados, que estava atrasado para o emprego, o que significava que eu também estava atrasada para a escola.
Subi de novo as escadas, desta vez mais apressadamente, e fui arranjar-me. Dei uma penteadela rápida no meu cabelo, que estava pior do que aparentava, escolhi apressadamente a minha roupa, lavei a cara e os dentes, desci as escadas, peguei na última maçã que havia na fruteira, pedindo ao meu pai que comprasse mais, e saí de casa a correr.
Tinha algum dinheiro para o bilhete do Autocarro, mas este não tinha esperado por mim, obrigando-me a dar uma pequena corrida até à escola.



Pelo caminho, a minha cabeça transbordava memórias, preocupações e a matéria do trabalho de projecto que tinha de explicar na apresentação à qual já estava atrasada. Quando me aproximei da escola, já todos estavam a entrar nas suas salas de aula. Meti-me no meio da multidão e apressei-me para a minha sala. Para meu espanto, a minha turma ainda não tinha entrado.
- Melody! Já começava a ficar preocupado! É hoje a apresentação do nosso trabalho. – Disse o Jake com os seus olhos arregalados, tentando recuperar do susto que apanhou por não me ter visto a horas na escola.
- Eu sei, Jake… Estás preparado?
- Sim… e tu?
- Também… Dormi mal esta noite.
- A sério? Porquê? – Perguntou ele preocupado.
- Jake… a sério, tu não queres saber… confia em mim!
Nesse momento, a Cassie chegou ao pé de mim, ofegante, dizendo histericamente.
- Melody! Melody! Tu nem vais acreditar!



- O que se passa?
- A Sarah Mello dar uma reportagem… Aqui na escola!!!
- Oh… que interessante.
- Pois é! Eu sabia que ias ficar tão entusiasmada como eu! – Exclamou a Cassie.
Após ter forçado um sorriso de entusiasmo por aquela notícia tão “estrondosa”, entrei na sala de aula.
A apresentação do trabalho nem correu da pior forma… tirando aquelas típicas e complicadas perguntas que a professora Marie colocava, tirando, com uma cara intrigada e misteriosa, alguns apontamentos no seu caderno pela atitude dos alunos durante a apresentação.

Assim que deu o toque para sair, o Jake veio ter comigo, com um grande sorriso:
- Melody! Falei com a professora e ela vai-nos dar nota máxima!
- Estás a falar a sério? – Perguntei eu perplexa.
- Sim! Nunca tinha tido tão boa nota num trabalho de grupo! Todos os trabalhos que eu fazia, acabava por me distrair com os meus amigos. Mas contigo foi diferente! Obrigado!



- Não tens de me agradecer, Jake. A nota que nós tivemos foi fruto de não só do meu trabalho, mas como também do teu!
A conversa entre mim e o Jake foi logo interrompida com várias vozes de Jornalistas que entravam na Escola em peso. Todos eles iam em direcção a uma pessoa: a Sarah. Cercaram-na, bombardeando perguntas e disparando flashes
com as suas máquinas fotográficas. A Sarah apenas se limitou em mexer no seu cabelo, retocar o seu batom e pousar para as fotografias que muito provavelmente iam sair nas capas daquelas revistas cor-de-rosa.





- Anda, vamos embora. – Pediu o Jake, que, tal como eu, não tinha paciência para assistir àquela entrevista.
Saímos do Pavilhão principal e fomos para o pátio que ficava nas traseiras do edifício da Escola.
Fomos para um lugar que eu conhecia tão bem, como a palma da minha mão. Era um sítio simples, mas excepcionalmente magnífico. Haviam arbustos com flores de diferentes cores que cercavam um banco de Jardim feito de uma madeira já velha e desgastada. As árvores, apesar do seu pequeno tamanho, faziam uma sombra muito agradável e refrescante, onde nos podemos refugiar nos dias de Verão. Eu gosto de sítios simples… acredito que nós próprios possamos acrescentar alguma coisa a esses sítios… memórias, sentimentos, recordações… tornando-os únicos e incomparáveis.



- Adoro este lugar. – Murmurei. – Traz-me muitas recordações. Vinha sempre para aqui com as minhas amigas sempre que tinha furos de horário… mas já não as vejo há muito tempo.
O Jake olhou para trás e, apontando para a janela do corredor central da Escola, através do qual se conseguiam ver os jornalistas a cercar a Sarah, disse:
- Eu já passei por isto. Quando a minha equipa ganhou o torneio Inter-Cidades, todos aqueles Jornalistas vieram ter comigo. Todos os meus colegas, amigos, vizinhos e até familiares me chamaram de “Sortudo” por ser tão admirado e falado na cidade… mas não sou, Melody. Adoro desporto, e não o faço por querer alcançar o primeiro lugar no Pódio… não o faço por querer ser o melhor e admirado por todos. Faço-o por prazer, por divertimento. Considero cada jogo uma oportunidade de estar com os meus amigos e de aprender coisas novas. Até porque… o desporto é mesmo isso… Divertimento. É uma maneira de estar na vida, não uma maneira de alcançarmos a fama!
As palavras vindas do Jake tocaram-me. Nunca ninguém tinha dito uma coisa tão sincera… uma coisa que eu saiba que vem mesmo do fundo do coração.



Capítulo 21



Quando finalmente acabámos o trabalho, o Jake apressou-se para a porta, dizendo que ia ter mais um treino e prometendo que ia estudar o tema do trabalho para a apresentação que se ia dar no dia seguinte. Tudo correu da melhor forma, tirando aquele pequeno incidente entre mim e o Ron. Por um lado, fiquei triste por a nossa despedida acabar numa zanga, mas por outro acho que ele merecia, pois ele estava ciente que eu não gostava dele e que apenas queria ser sua amiga, como dantes… mas desde criança que o Ron é feito de uma persistência fora do comum e não descansa sem obter o que quer e hoje não foi excepção. Acho que foi melhor assim… tanto para mim como para ele.
Olhei pela janela, e vi o meu pai a colher algumas alfaces da sua pequena horta, que tanto estimara ao longo destes anos. Estava um dia lindíssimo, apesar daquela constante brisa fria que marca o início do Outono e o fim daquele magnífico Verão com praia, divertimento e calor.
- Tu nunca deixaste essa horta. – Disse eu, caminhando em direcção do meu pai.



- Tu sabes como eu me afeiçoo às coisas. E além disso tenho de começar a colher os vegetais porque o frio está a chegar.
- Muito bem… Afeiçoado e dedicado com as coisas!
O meu pai sorriu enquanto agarrava nas alfaces e as punha no seu cesto.
- Bem, acho que já está. Vou fazer a sopa para o jantar.
- Boa sorte! Acho que vais precisar.
- Não subestimes o chefe George! Sou um perito em sopas. – O meu pai estava bastante bem-disposto.
E num passo apressado encostou o portão do quintal e dirigiu-se para a cozinha.
Eu permaneci no Quintal e apanhar aquelas aragens que as copas das árvores soltavam com o soprar do vento.
Ao longe, avistei a Torre principal da Igreja que se erguia no meio dos imensos bosques de Fort Sim… É incrível… onde quer que eu esteja avisto sempre aquela linda Igreja envelhecida pelo tempo. A melodia proveniente dos sinos daquela torre era simplesmente fantástica. Sentei-me no banco de jardim do Quintal e fechei os olhos, mas mais uma vez, ouvi as gargalhadas da criança. Parece que estão por toda a parte, e eu não sei de onde vêm.
Abri os olhos e deparei-me com uma criança à minha frente. Era uma rapariga muito bonita, com uns olhos verdes claros e cabelo negro como o ébano.



- Olá… quem és tu? – Perguntei eu, mas a rapariga não respondia. Apenas se limitava a olhar apaticamente para mim, o que me começava a incomodar. – Os teus pais? O que fazes aqui?





- Estás-me a ouvir? Como te chamas?
Nesse momento o meu pai veio ter comigo com uma cara muito intrigada.
- Melody! Estavas a falar sozinha?
- O quê? Não! Estava aqui uma criança.
- Não está aqui ninguém… só eu e tu!
- Impossível… - Sussurrei.
Já não percebo o que se está a passar comigo. Estou louca.
- Anda para dentro. O jantar está quase pronto.
Pondo o seu braço, carinhosamente, nas minhas costas, levou-me para dentro.
Ao jantar não disse nem uma palavra, sabendo que o meu pai odeia que eu esteja calada, pois ficou mal habituado quando era pequena, que era bastante faladora.
Quando me preparava para ir dormir, o meu pai não hesitou em perguntar:
- O que se passa contigo? Ficaste calada de um momento para o outro!




- Nada… Vou dormir, estou só cansada…

Dei um beijo ao meu pai e subi para o meu quarto.

Passei a noite a pensar naquela criança que apareceu à minha frente no quintal. Desta vez não parecia uma sombra… uma imagem turva que desaparece com o esfregar dos olhos e fosse considerada uma alucinação… não. Era tão real… tão… humana. Estou tão confusa.


Trailer 2



Capítulo 20

Cheguei dez minutos atrasada à primeira aula. Corri até à sala de aula, bati à porta e sentei-me no meu lugar:
- Sabe que horas são, Melody? – Perguntou a minha professora.
- Desculpe o atraso, ‘stora!



Pedi à Cassie os apontamentos que tinha perdido e comecei a escrever.
Mal tocou para o intervalo, o Jake veio ter comigo, com o seu típico sorriso de orelha a orelha dizendo:
- Bom dia, Mel! Olha, hoje a Biblioteca vai estar reservada para a feira do livro! Já não temos onde fazer o trabalho, e já falta muito pouco tempo para a semana acabar!
- Esqueci-me completamente que a Biblioteca ia fechar! Porque não passas em minha casa? Podemos fazer lá o trabalho! – Propus eu, embora não estivesse com vontade nenhuma de fazer o trabalho, sabia que tinha de me esforçar pois estou no ano mais complicado da minha vida.
- Boa ideia! Não incomodo?
- Não! Não te preocupes… pode ser às 16 horas?
- Óptimo… assim que sair dos treinos passo por tua casa. Até logo Mel!
Com isto, correu até ao campo de Futebol do Pátio da Escola com a sua bola da sorte na mão e foi jogar com os seus amigos.
A manhã passou de uma forma bastante calma, tirando o teste surpresa de Matemática que o meu Professor, que não perdoa ninguém e tem um aspecto bastante severo, costuma fazer todas as semanas. Irrita-me aquela sua maneira tão antiquada de pensar. Usa sempre um fato clássico com a sua áspera barba… Anda sempre com a sua mala onde contém os imensos livros de Matemática, e, claro, a sua Bíblia que põe todos os dias sobre a sua mesa, todas as aulas. E claro, aquele aspecto de professor maléfico que assusta qualquer aluno.



Ao fim do dia, fui para casa almoçar e repousar um pouco. Avisei o meu pai que o Jake vinha a casa, e ele reagiu bastante bem. Talvez porque queira que eu me socialize com os meus novos colegas.
Quando ouvi a campainha da porta de casa, dirigi-me até lá e abri a porta.
- Olá! – Cumprimentou o Jake.
- Olá… entra.
O meu pai levantou-se do sofá, e, como eu esperava, tentou socializar-se.
- Ora este rapaz deve ser o teu colega não é?
- Jake, senhor… - Completou o Jake.
- Jake! Muito bem… fiquem à vontade! Qualquer coisa estou no Quintal!
Com isto, num passo acelerado, foi para o Quintal, enquanto eu e o Jake concluíamos o trabalho.
- O teu pai é muito simpático!
- Sim… ele gosta muito de se socializar! Vamos trabalhar?



- Vamos!
Pouco tempo depois de começarmos a trabalhar, alguém bateu à porta.
- Eu vou lá! Deve ser o meu pai…
Mas qual não foi o meu espanto, que mal abri a porta de casa me deparei com uma pessoa que não desejava nada ver. O Ron. Desta vez, sem as suas roupas desportivas nem desleixadas, mas com uma roupa mais casual.
- Ron? Huh… Não estava à espera de te ver aqui.
- Posso entrar?
Fiquei apavorada. Não estava mesmo à espera de ver o Ron naquele momento… aliás, pensei que nunca mais o ia ver.
O Ron entrou, a passo lento, em minha casa. Pisou o Hall e de seguida a sala, onde estava o Jake.
- Huh… Jake, este é o Ron! – Disse eu, um pouco insegura.
- Sim… eu sei quem ele é! Olá.
- Olá, Jake! Meu deus! Tu és o Capitão da Equipa “Os Lamas” não é?
- Sim… Melody, pensei que íamos trabalhar. – Disse o Jake com uma cara trancada.
- Desculpem se vim interromper, mas só precisava de falar com a Melody. Podemos falar?
- Claro, vamos para a cozinha, Ron.
Fomos para a cozinha. Naquele momento não fazia ideia do assunto que o Ron queria falar comigo, só sabia que me estava a por extremamente nervosa.
Encostou-se à bancada do lava-loiça e, com uma voz rouca, disse:
- Eu gosto de ti. Tu sabes disso Melody! E… desde aquele dia na praia que não me sais da cabeça!



- Se não saí, vou ter de sair. Esquece, Ronald! Eu não gosto de ti como namorado! Apenas gosto de ti como um grande amigo e tu vais ter de lidar com isso, quer queiras quer não…
- Eu sei… e não foi por isso que eu vim aqui. Vim aqui para me despedir. Já juntei dinheiro suficiente para os primeiros 3 meses de Faculdade. Parto amanhã de manhã.
- Oh… não sabia, Ron.





- Por isso… adeus Melody! Por mais que o tempo passe, irei sempre pensar em ti! – Disse ele com as lágrimas nos olhos.
- Ron, por favor… Esquece-me. Tu vais encontrar alguém que realmente te mereça! Esquece-me!
- Talvez, mas agora, é de ti que eu gosto. Melody… posso dar-te um último beijo?
- Huh… Ron! Não… a sério. Não tornes as coisas mais difíceis! Tu tens de me esquecer! – Eu já estava alagada em suores frios.
Mas quando dei por mim, já estava nos seus braços, com os meus lábios a tocar nos dele.
Mas nesse momento, o Jake entrou pela cozinha adentro dizendo:
- Melody! Daqui a meia hora tenho de ir para casa. Temos de acabar o trabalho.
- Claro! Vamos… Adeus Ron! – Despedi-me do Ron de uma maneira fria e rude, maneira essa que podia ser evitada se ele não insistisse tanto numa relação amorosa que eu não quero nada ter neste momento.
Agora, ele vai seguir a sua vida… e eu a minha. Ele vai ter de aprender a esquecer o passado, tal como eu fiz.



Capítulo 19

Todos os canais de Televisão diziam o mesmo: Alerta Vermelho. Estava bastante vento e chuva lá fora. Conseguia ouvir o assobiar do vento, o flutuar das copas verdejantes das árvores do quintal.
Ao jantar, o meu pai não parava de me bombardear com perguntas e assuntos de conversa, quando a coisa que eu mais queria era estar em silêncio.



- Como estão a correr as aulas? – Perguntou ele com a boca cheia.
- Bem…
- E o tal trabalho? Aquele teu colega parecia-me bastante simpático.
- Sim… é.
- Que se passa contigo, filha? Estás tão ausente. Estarás doente?
- Não, pai. Não te preocupes. Só ando cansada, mais nada.
Levantei-me… as minhas pernas latejavam. Sentia-me estranhamente ausente, embora não estivesse a pensar em nada. Não me apetecia falar, coisa que o meu pai embirra bastante. Fui para o quarto, sentei-me na cama e tentei ler um livro que tinha requisitado na Biblioteca da escola, mas as letras estavam desfocadas e andavam de um lado para o outro, até a minha vista chorava. Esfreguei os olhos. Ainda tentei ler mais um pouco, mas era escusado, nem uma palavra conseguia ler. Preparei a minha mochila e deitei-me. Nem aqueles Profiteroles que tinha como sobremesa, recheados de Chantilly e cobertos de chocolate quente, me fizeram levantar da cama.
Recolhi-me nos cobertores, desta vez reforçados com mais duas camadas, e fechei os olhos. A única coisa que ouvi quando adormeci, foram aqueles risos… aquelas gargalhadas de criança com o chiar do baloiço. Até que adormeci, e já se pode adivinhar o que sonhei…
Sonhei outra vez com aquela Capela… mas desta vez, senti que era diferente. Apesar de já a ter visto algumas vezes, desta vez a Capela estava muito diferente. Os sinos tocavam, projectando uma melodia muito agradável por toda a cidade.



Ouvia-se de longe. Não me lembro mais nada, se não um som de travagem de um carro, com uma buzinadela a seguir… Foi horrível.
Eu já não estou a entender nada. Estou confusa. Sinto-me sempre ausente e sem vontade de estar com ninguém, tenho estes sonhos, alucinações… Sinto-me completamente atraída por uma Igreja. O que se está a passar comigo?
Levantei-me da cama, vendo os primeiros raios de sol penetrando nas janelas. Fiz os meus cereais, pois, estava faminta… tinha comido mal ao jantar.
Deixei um bilhete no frigorífico para o meu pai ler quando acordasse e fui logo para a Escola. Pelo caminho, ouvi o soar de Sinos. Ecoavam por todas as ruas e bosques daquela zona, chegando-me aos ouvidos. Aquele som tranquilizou-me...
Abrandei o meu passo, cada vez mais, e fiquei a ouvir aquela doce melodia que os Sinos da Igreja proporcionavam. Fechei os olhos, nem o barulho dos carros me incomodava. Pela primeira vez naquele ano, relaxei um pouco.



Consegui ouvir os pequeníssimos sons da Natureza, que nunca ninguém tem tempo nem vontade de ouvir. Eu conseguia reparar que dentro daqueles carros que se movimentavam caoticamente, havia pessoas que não conseguiam ouvir a Natureza. Aliás, todos nós a esquecemos. Ela agora é apenas o chão que nós pisamos, nada mais, mas se pararmos por uns instantes, fecharmos os olhos e ouvirmos um pouco o que a Natureza nos tem para dar, descobrimos sons inacreditáveis que nunca pensámos que existiam. Sons que nos acalmam, que nos fazem esquecer o stress que nos rodeia no nosso dia-a-dia.



Mas aquela minha calma logo se transformou em ansiedade. Por instantes, no meio daqueles maravilhosos sons da Natureza ouvi, outra vez, os risos da criança. No meio daquela rua, repleta de crianças, já nem sabia se era real ou não. Não… não era real. Aqueles risos que me invadiam a cabeça eram muito diferentes dos das outras crianças daquela rua. Um riso, que parecia meio feliz e meio sofredor. Abri os olhos, olhei em redor… do outro lado da estrada, estava a Igreja. Cometi uma loucura. Pus um pé na estrada, não reparando se era na passadeira ou não, depois outro… atravessei a estrada completamente lunática, até que olhei para o lado e um carro vinha na minha direcção a toda a velocidade.





Fez uma travagem repentina, causando um som perturbador com os pneus, e depois, o condutor buzinou, furioso dizendo:
- Oh miúda! Vê para onde andas! Queres morrer, é?
- Desculpe! Peço imensa desculpa! – Lamentei eu, correndo para a calçada.
Apanhei um susto de morte, o meu coração batia a toda a velocidade. Parei um pouco, fiquei a olhar para o carro, que já ia muito à frente virando numa curva acentuada. Recuperei o fôlego e olhei de novo para a Igreja. Caminhei até lá… os Sinos não paravam de tocar. Ainda me pergunto se alguém vem àquele lugar, tirando os padres que provavelmente habitam dentro dela. Mas essas pessoas não sabem o que perdem… eu sempre que vou àquela Igreja a minha alma fica reconfortada e esqueço-me de tudo e todos os problemas que me aguardam na Escola. Mas ainda há algo que me faz ter vontade de ir para a Escola… algo ou alguém. Apesar de não ter vontade, às vezes sinto-me com bastante confiança e vontade de ir para a Escola… O que será?

Capítulo 18

À tarde encontrei-me de novo com o Jake na Biblioteca, e aproveitei para falar um pouco com ele.
- Gostei muito da tua atitude hoje de manhã… não esperava isso de ti. Digo isto pela positiva claro!
- Não fiz nada de mais. Tenho pena daquele rapaz.
- Pois… mas estou a falar da Sarah. Um rapaz que no dia anterior estava a namorar com ela, agora dá-lhe esta tampa.



- Eu não estava a namorar com ela, Melody… Eu nunca a amei.
- Bem, não vou voltar a discutir isso contigo. – Disse eu tentando mudar de assunto.
Sentei-me ao computador e comecei a fazer algumas pesquisas, e o Jake foi procurar alguns livros nas imensas prateleiras.
Quando encontrei algumas informações, chamei-o. Ele sentou-se ao pé de mim e escutou-me.
- Nós devíamos reduzir mais esta parte do texto e… devíamos mudar a cor de fundo. O que achas?
- Acho bem… acho também que fica melhor pormos mais algumas imagens, senão o trabalho fica como uma Bíblia.
- Oh… desculpa. – Lamentei eu enquanto me ria. – Sabes, eu apenas reúno texto e tudo o que seja relevante… nunca ponho imagens…
- Queres sair comigo? – Perguntou ele, num momento muito inoportuno.
- Huh… o quê?
- Queres vir comigo lanchar depois do trabalho? Vá lá…
- Huh… nós estamos a fazer o trabalho Jake. Não me parece boa altura.
- Desculpa… Mas queres ou não?
Eu hesitei um pouco na minha resposta. Uma parte do meu corpo estava sob um impulso de uma resposta positiva, e outra estava sob um recuo extremo e de um “não”.
- Huh… ok, pode ser, mas vamos continuar o trabalho ok?
- Claro.
Sinceramente não me estava a apetecer muito, mas como o meu estômago já roncava decidi acompanhá-lo.
Andámos calmamente pelas vastas ruas de Fort Sim, falando sobre alguns assuntos, nomeadamente o trabalho, que era o assunto que eu mais queria tocar, pois não estava interessada em ter uma conversa muito aberta com o Jake.
O frio começava a espalhar-se por todas as zonas da cidade, o que mostrava que o Outono tinha chegado para ficar. Algumas folhas das árvores já caiam. Umas vermelhas, outras castanhas. Cores quentes cobriam aqueles mantos de relva, tanto de parques como de bosques, acompanhados de uma brisa fresca típica do Outono.



Cruzei os braços, para me aquecer minimamente e disse:
- Parece que não vamos poder ficar numa esplanada…
- Não estava à espera que o tempo ficasse assim… Podemos ficar lá dentro.
Entrámos numa humilde pastelaria Francesa, onde os croissants predominavam nas numerosas montras de vidro brilhante. A decoração era clássica e bastante agradável de se ver.



Sentei-me com o Jake, e esperámos por um empregado. Provavelmente, eu ia comer um croissant coberto e recheado de chocolate derretido e para acompanhar um café.
- Então… tu nunca mais apareceste lá no campo de Rugby. – Disse o Jake.
- Não sou muito apreciadora de desporto. Apenas gosto de ver alguns jogos, e às vezes nem isso. Às vezes recebo críticas por não gostar de desporto…
- Críticas?
- Tu sabes… por não conseguir fazer algo, vem a turma toda para cima de mim.
O Jake riu-se um pouco. Apesar de querer ir para casa, sentia-me extremamente bem ao lado dele. O Jake, realmente, não é quem aparenta ser. Apesar daquele ar de convencido ele é um rapaz muito simpático e sociável. E eu tenho conversas muito interessantes com ele. Até estava a gostar daquele passeio.
Quando finalmente os meus tão desejados croissants chegaram à mesa, calei-me e comecei a comer.
A tarde naquela pastelaria nem correu muito mal. Até me ri bastante com o Jake, que se fartava de dizer piadas e de me alegrar. Sim… alegrar. Não sei o que se passa mas ultimamente tenho-me sentido muito em baixo, como se algo dentro de mim me estivesse a pôr neste estado. Algo que me deixa muito angustiada, embora não saiba mesmo o que seja.
- Estás bem, Melody? – Perguntou o Jake enquanto comia o seu croissant.
- Huh… sim, estou. Estava só a pensar numas coisas. Tenho dormido mal ultimamente.



- Mas porquê?
- Nada que queiras saber. Às vezes tenho isto. Não ligues!
Saímos da pastelaria, e, para meu espanto, tinha começado a chover.
- Boa… e agora como é que eu vou para casa? – Perguntei para mim mesma.
- Eu tenho aqui um pequeno chapéu-de-chuva na mala, se quiseres levo-te até casa.
- Oh, não é preciso. Não quero que te incomodes.
- Eu não me incomodo! Eu levo-te a casa.
- Obrigada.
Aquele acto tão prestável do Jake poupou-me de uma corrida até casa, que acabaria comigo toda encharcada. Quando cheguei a casa, agradeci-lhe mais uma vez, e dei uma pequena corrida até à porta, acenando-lhe com o braço.
- Quem era aquele rapaz? – Perguntou o meu pai, assim que me viu entrar em casa.
- É um colega meu. O meu parceiro de grupo do trabalho de projecto.



- Hum… olha, não saias mais de casa hoje…vai estar muito mau tempo. A meteorologia deu alerta vermelho de chuva.

Capítulo 17

Fechei a porta, e fui adiantar alguns trabalhos de casa que estavam por fazer. Quando abri a minha mochila, encontrei um papel, dobrado e anónimo. Desdobrei-o lentamente, um pouco intrigada e fiquei embasbacada.

“Querida Melody,
Desde que te vi nunca mais te consegui tirar da minha cabeça. Tens uma beleza desigual, que mais nenhuma rapariga tem. Os teus cabelos negros como o breu, os teus olhos como brilhantes esmeraldas e os teus suaves lábios que tanto eu quero beijar. Podes não gostar de mim, mas eu nunca mais irei gostar assim duma rapariga. És linda, por dentro e por fora, e eu amo-te.
Assinado:
Confidencial…”

Eu fiquei sem palavras com o que tinha acabado de ler. Nem acredito que tenho alguém apaixonado por mim. Quem será? Eu nunca passei por isto, nem nunca imaginei passar. Nesse momento o meu pai bateu à porta, e eu escondi rapidamente o papel.
- Mel vou-me deitar mais cedo, estou muito cansado.



- Está bem, Pai… até amanhã.
Deu-me um beijo na bochecha e saiu do meu quarto. De seguida, fui eu a deitar-me, pensando naquela carta que tinha recebido. Mas esse meu pensamento, desvaneceu-se no sonho que tive… Desta vez, foi completamente diferente.



Estava um homem… no meio de um campo verdejante. Estava desolado. Algumas lágrimas lhe escorriam pela face, o que dava a entender que estava a sofrer. Gritava, com o seu olhar a apontar para aquele céu arroxeado pelo pôr-do-sol.





Vi aquela capela… mas desta vez, muito mais colorida e… viva! Os campos e jardins estavam repletos de flores de mil e uma cores e várias pessoas a visitavam.



Mas acordei de repente, com aqueles risos de criança a apunhalarem-me os ouvidos, de novo. O que se está a passar?
Não tardou muito, até que o cansaço mostrasse o quanto era forte, deixando-me deslizar por entre os lençóis.
Voltei a acordar com os finos raios de sol a penetrarem pelas frestas dos estores, e que me iluminavam e aqueciam ligeiramente a face. Era de manhã.



Levantei-me, um pouco desnorteada e vesti-me como de costume. Por muito estranho que pareça, e é mesmo estranho, pois, eu nunca penso em nada de manhã, acordei a pensar naquela carta que tinha recebido. Estava ciente de que tinha de saber quem é que me tinha enviado. Precisava de saber.
Cheguei à escola, e a Cassie já não estava a mesma. Já dava para presumir que a Sarah tinha chegado, porém, o Jake ignorava-a a todo o custo, envergonhando um pouco a Sarah.
- Melody! Bom dia! – Cumprimentou-me o Jake.
- Bom dia…
Ele encostou-se a mim e deu-me dois beijos na cara… Eu sei, é bastante comum, mas foi muito estranho.
- Hoje continuamos o trabalho? – Perguntou ele.
- Sim.. claro. Quanto mais rápido melhor. Hoje à tarde pode ser?
- Claro… - Afirmou ele com um grande sorriso.
Devido ao meu atraso, nem pude passar pelo bar para comer algo, por isso fui logo para a aula de Biologia. Não sabia o que se passava comigo naquele dia, estava bastante ausente. Não é por ter de levar com duas horas de Biologia logo às 8:00H, mas sim porque não parava de pensar na carta… nem no sonho. O meu cérebro estava desligado da sala de aula, pairando por pensamentos e especulações, que me enchiam a cabeça e me punham cada vez mais desconfortável e impaciente. Agora que já não posso andar com a Cassie, devido à chegada da Sarah, acho que vou ter de procurar o “Anónimo” sozinha.
- Menina Knight! Pode explicar aos seus colegas o que eu acabei de dizer? – Perguntou a minha professora com um ar arrogante.



- Huh… Não sei ‘stora.
- Francamente… uma rapariga com nível 5 desatenta nas aulas. Isto vai já para a minha pauta!
- Desculpe… não volta a acontecer.
Nesse momento, a Sarah riu-se olhando para mim, mas rapidamente a professora lhe perguntou:
- Bom… Já que a sua colega não consegue explicar a matéria, porque não explica a menina Sarah Melo?
- Huh… Não sei…
Nesse momento, foi a minha vez de rir…
No intervalo deparei-me com o Dave… no bar. Nem queria acreditar.
- Dave! Que bom que vieste! Ainda bem que te queres socializar!
- Sim… bem… não é bem socializar. Tenho fome, e como me esqueci do lanche… huh… vim aqui! Mas vou já embora. – Ele estava muito tenso.



- Espera! Huh… podemos falar? Quase nunca falamos e… não tenho ninguém com quem estar, e tu também não, parece.
- Está bem.
Sentámo-nos, os dois, com dois bolos à frente, que me faziam crescer água na boca, com aquela massa doce e açúcar ralado por cima.
- Hoje estavas ausente na aula… deve ter sido horrível.
- O quê?
- Se chamada a atenção por um professor. Eu não sabia o que fazia…
- Calma… não é o fim do mundo ser chamada a atenção. Nós aprendemos com os erros…



- Como foi a festa na praia? – Aquela pergunta do Dave deixou-me impressionada, pois não fazia ideia de que ele sabia que eu tinha ido.
- Bem… não foi nada de especial. Apenas mais uma festa com pessoas snobs e ricas a reparar na aparência dos outros.
Nesse momento, a Sarah chegou, e o Dave apressou-se para a saída.
- Não! Espera, Dave!
Ele recuou, e sentou-se de novo, um pouco medroso.
- Não tens de ter medo dela!
- Olha quem decidiu sair do mundo da fantasia! – Exclamou a Sarah.
- Sarah! Pára com isso! – Disse eu, levantando-me da mesa.
- Desculpa, mas eu falei contigo? Não me parece.
- Não! Falaste com o Dave, mas acho que tenho o direito de te relembrar que somos todos iguais! O Dave tem tanto direito de estar aqui como eu… ou qualquer aluno desta escola.
- Sim, sim… como queiras. Ouve lá, Davi… é melhor ires para a tua adorada biblioteca, porque senão ainda me tombas os livros outra vez! – A Sarah estava a irritar-me.





- É melhor eu ir. – Disse ele com uma voz humilde.
- Não! Dave! Fica aqui, esta rapariga tem de aprender a ter maneiras.
Naquele momento, o Jake apareceu, com uma cara intrigada.
- O que se passa aqui?
- Dave! Meu amor! Diz àquele totó para sair! – Disse a Sarah.
O Jake aproximou-se do Dave com uma cara arrogante e erguida, com o dedo apontado, disse:
- Tu… chamas-te Dave não é?
- Eu vou-me já embora…
- Não… fica aqui. Aliás, tu nunca mais te vais esconder na biblioteca! És um aluno! E basta! Tu… Sarah Melo, tu é que devias sair daqui. Já que és tão rica e com uma vida assim tão ostenta, devias ter o mínimo de educação! Este rapaz é igual a todos nós… é igual a ti!
- Amor… o que se passa?
- Amor? Mas de onde foste tirar essa palavra? Eu não sou teu amor! Jamais serei! Tu não és meu amor… o meu amor… é outra pessoa.



A Sarah fez aquela sua expressão típica e saiu do bar. Eu fiquei muito impressionada com aquela atitude do Jake, nem podia acreditar. Ele surpreendeu-me bastante.