Capítulo 85
No dia seguinte, sentia-me ainda mais disposta para começar o dia. Finalmente estava tudo bem! Nada me podia atormentar, naquele, e nos futuros, dias. A minha mãe permanecia sempre no meu coração, não tinha mais visões, e, o mais importante de tudo, estava bem com o meu pai. Não suportava mais a ideia de permanecer longe dele, por mais que o tentasse esconder.
- Bom dia, pai! – Saudei, enquanto entrava na cozinha.
- Bom dia filha! – Exclamou o pai, enquanto fechava o seu jornal e inclinava a sua cara para eu lhe dar um beijo.
- Não vais trabalhar?
- Não… estou de folga! Aproveito e pago umas contas…
- Estás sempre preocupado com algo! Devias tirar este dia para descansar!
- Eu não preciso de descansar. Agora come, e vai para a escola! Já está quase na hora!
Peguei numa maçã que estava na fruteira e saí de casa de rompante, ansiosa por contar tudo ao Jake.
Tudo me parecia diferente naquela manhã. Aquela brisa gelada que me fustigava a face era mais perceptível, o cheiro outuniço das árvores inundava-me as narinas ainda com mais intensidade e o cantarolar dos pássaros mais audível.
Apetecia-me cantar os quatro ventos o quanto me sentia feliz. A única coisa que me apetecia era viver a vida com um sorriso nos lábios. Havia em mim uma força de vontade que nunca, nem mesmo antes de descobrir a realidade da minha vida, tinha sentido.

Assim que cheguei à escola e vi o Jake, instintivamente, abracei-o com quanta força tinha. Pelos seus movimentos lentos, apercebi-me que tinha sido completamente apanhado de surpresa.
- Tem calma, ainda me esganas! - Disse o Jake, rindo-se com prazer. - Porque é que estas tão feliz? É por estares aqui comigo?
- Eh, que engraçadinho! Não! É porque fiz as pazes com o meu pai!

- Estás a falar a sério?
- Sim!
- Mas isso é muito bom, Mel! Agora está tudo a resolver de uma melhor forma não é?
- Melhor é impossível! - Disse, aproximando-me dele para o beijar.

Estava tão feliz que chegava ao ponto de me assustar com isso. O meu pai e eu vivíamos em perfeita harmonia, como uma verdadeira família, por mais pequena que fosse. A minha avó e eu estávamos mais unidas do que nunca. E a minha relação com o Jake estava ainda mais brilhante do que uma noite quente de Verão, daquelas em que só me apetece saborear um batido de morango fresco, deitada na relva do meu jardim.
- Gosto de te ver assim! - Disse ele, sorrindo-me carinhosamente.
E eu "gosto de me sentir assim", pensei eu, enquanto sorria pela enésima vez nesse dia.
- Há notícias da Sarah? – Perguntei, fazendo-me de desentendida.
- Não… nunca mais apareceu à escola. Pudera… depois do que aconteceu.

- Pois… confesso que, independentemente de tudo o que ela me fez, eu sinto um pouco de pena dela.
Nesse momento, o olhar do Jake desviou-se para trás de mim, provavelmente para uma pessoa. A sua cara intrigada levou-me a olhar para trás também.
- Quem é ela? Nunca a vi aqui antes! – Exclamou o Jake, atónito.
- Nem eu…
Ela transportava uma enorme pilha de livros, juntamente com a sua mochila e uma malinha de pequeno porte, cor-de-rosa com unicórnios desenhados por fora. Portava um vestido também cor-de-rosa, simples, e envelhecido. O seu cabeço era baço e curto, com um laço a enfeitar. A sua cara trancada mostrava, nitidamente, que era uma rapariga tímida, olhando para as outras pessoas com receio e medo, empurrando os seus óculos redondos para junto dos seus olhos vulgarmente castanhos e esbugalhados.

- Faz-me lembrar… bem, tu sabes… - Disse o Jake, enquanto permanecia a olhar para a rapariga.
- Vamos falar-lhe? Podemos conhecê-la melhor.
- Se quiseres vai tu, estou atrasado para a aula, tenho de ir.
- Mas Jake! Tu és da minha turma! E vamos ter um furo agora! Lembras-te? Avisaram-nos que a Professora de Biologia estava de baixa!
- Sim, tens razão! Mas eu tenho de… ir à biblioteca requisitar um livro!
- Desde quando é que requisitas livros?
- Desde sempre! – Afirmou seguramente, fazendo um roído de indignação.
- Pois, pois… vai lá então. Eu vou falar-lhe!
Aproximei-me da aluna nova, enquanto ia mantendo um sorriso de orelha a orelha. Esta, quando me avistou, levantou-se e arrumou os seus livros dentro da sua mala, preparando-se para ir embora.

- Hei! Espera! Eu só queria… - Mas tinha sido tarde demais. Tinha-se ido embora mesmo antes de eu pronunciar um “Olá”.
* * *
Estava extremamente triste! Não ia haver aula! A escola devia ter professores “suplentes” para leccionarem em caso de ausência de outros professores, mas isso nunca irá acontecer, pelo menos enquanto eu não for Ministro da Educação.

Dirigi-me à biblioteca e, como sempre, saudei a gentil e bonita bibliotecária, enquanto ela executava eficientemente o seu trabalho. Depois, dirigi-me para o quarto corredor, secção 32, indo buscar um livro que tinha visto na Inter-Rede. Achei-o interessante e pensei que o poderia requisitar.
Quando cheguei à secção 32, já podia avistar o livro, com a sua capa dourada e espessa, e o seu exagerado número de páginas, que, segundo um rápido cálculo que fiz, eram novecentas e trinta, tal como eu gostava. Encantado pelo brilho da capa, distraí-me e fui contra uma rapariga, que transportava dois livros de Geologia.
- Peço imensa desculpa! – Lamentei, enquanto me preparava para a ajudar.
- Não faz mal… eu… - Olhou para mim, e eu para ela, e não pude deixar de reparar nos seus lindos olhos castanhos, coroados por longas pestanas pretas. – Eu… - Continuou – Eu é que não vi o caminho. Desculpa-me!

- N-não faz mal!
Acenou-me com a cabeça, como uma despedida, e prosseguiu o seu caminho para a secção 34. Nunca a tinha visto na escola antes… seria uma nova aluna?
