Capítulo 01

Hoje a minha esposa chamou-me à sala. Estava eufórica, o que começou a assustar-me. Fui para junto dela, e com um sorriso, pegou na minha mão e levou-a á sua barriga. O primeiro pontapé da minha filha. Os meus olhos brilharam, estava a sentir o seu pezinho, que salientava naquela barriga, já com 8 meses.



Eu mal conseguia esperar pelo seu nascimento. Queria ver a sua cara, queria tocar-lhe, pegá-la ao colo, acaricia-la. Estava ansioso. Mas comecei a sentir que algo estava mal com a minha mulher. Mostrava um aspecto fatigado e desgastado. A sua cara estava pálida. Ainda lhe perguntei se estava a sentir-se bem, e ela acenou-me afirmativamente com a cabeça.

Um mês depois...

Acordei de madrugada com os gritos sofredores da minha mulher. Levantei-me rapidamente e dirigi-me à cozinha, de onde tinha ouvido os gritos. Quando cheguei fiquei estupefacto. Ela estava com a roupa alagada em sangue… a bebé ia nascer a qualquer instante.
Nem disse uma palavra e corri logo para o telefone, onde liguei para o 112. A ambulância não tardou muito a chegar, mas a minha esposa já quase não aguentava.
Fomos levados pela ambulância. Eu não larguei a mão dela durante a viagem. E quando finalmente chegámos à maternidade, os médicos afastaram-me dela, levando-a para a sala de partos. Obrigaram-me a esperar mais de uma hora. Eu andava de um lado para o outro impaciente e preocupado.
Os gritos da minha esposa ecoaram pela Maternidade fora. Eu estava com um grande aperto no peito, mal conseguia respirar.
Foi então que os gritos pararam. Eu fiquei imóvel, à espera de um sinal. Até que ouvi a bebé a chorar. Fiquei radiante! Dei um pulo de felicidade e só queria entrar na sala de partos adentro e ver a minha esposa com a minha filha. Finalmente seriamos uma família.
Mas nesse momento, saiu de lá uma enfermeira com a bebé ao colo. Estava com uma cara comprometedora. Eu peguei-a ao colo. Estava a tocar na bebé.
Aqueles olhinhos verdes claros, iguaizinhos aos da mãe, faziam os meus brilhar de emoção. Mas comecei a estranhar porque me tinham dado a bebé logo assim que nasceu. Perguntei se a minha esposa estava bem, e a enfermeira apenas fez uma expressão triste dizendo:
- Não sobreviveu…
Ao ouvir aquelas palavras, eu perdi as forças nas pernas. Nem podia acreditar, a minha amada esposa tinha morrido. Entrei pela sala de partos adentro e deparei-me com ela, que jazia naquela cama suja de sangue.
- O senhor não pode estar aqui. – Diziam os enfermeiros com frases muito imperativas.
Eu supliquei que me deixassem ver a minha mulher pela última vez, mas tiraram-me da sala de partos. As lágrimas escorriam pela minha face, estava desesperado. Só queria voltar atrás e poder despedir-me da minha amada.
Chorava enquanto olhava para a minha filha, que estava aos meus braços, com uns olhos ternos. Agora, tenho uma missão: proteger a minha filha. Ela não pode saber que a sua mãe morreu, pelo menos por enquanto. Não quero que ela cresça com traumas e desgostos… Vou protege-la, enquanto puder… enquanto… for vivo.



Irei dar-lhe um nome… o nome da sua mãe… Melody.





Fort Sim... 17 anos depois...

Nem posso acreditar que as aulas já começaram. Só de pensar que tenho de encarar mais nove meses de aulas, dá-me vontade de voltar para a cama. Mas o meu pai é mais forte que eu, mandando-me levantar com aquela sua boa disposição matinal. Olhei-me ao espelho. Estava completamente desnorteada de tanto sono que tinha.



Cambaleando pelo corredor, dirigi-me à casa de banho, onde tomei um duche e arranjei-me.
- Melody! Vais chegar atrasada! – Exclamava o meu pai, pensando que eu ouvia alguma coisa com o chuveiro ligado.
Na verdade ouvia, mas fingi-me de despercebida continuando o meu calmo duche.
Ao pequeno-almoço recebi uma notícia muito refrescante… Mudei de turma. E realmente nem sei porquê que o meu pai não me disse antes. Talvez fosse porque, se me dissesse antes, eu me recusaria a ir para a escola, mas agora não posso fazer nada.



Comi rapidamente os meus cereais e dirigi-me para o carro do meu pai. Ele chegou um pouco depois e seguimos até à escola.
Durante a viagem senti um nervoso miudinho, talvez fosse porque não conhecia ninguém naquela turma e porque estava na recta final do Secundário: o 12º ano.
Quando finalmente chegámos, eu quis “agarrar-me às saias da minha mãe” para não ir para a escola… E por falar nisso a minha mãe está sempre em viagens, nunca tem tempo de parar em casa, e isso deixa-me um pouco abalada… Nunca a vi pessoalmente, e nem falamos por telefone, por isso, mal a conheço.
- Tem um bom dia, filha. – Despediu-se o meu pai dando-me um beijo na cara.
Eu retribui-lhe e sai do carro. Saí com o pé direito, pisando o cimento da entrada da Escola.



Fui andando, observando o comportamento dos meus colegas, que realmente estavam muito diferentes. Desde o quinto ano que tudo mudou… Alguns dos meus colegas são agora o centro das atenções, outros estão dentro dos seus mundos não falando com ninguém, nem com os antigos amigos, como por exemplo eu. E outros até já estão a fumar. Às vezes questiono-me de como é que o tempo passou tão depressa, aqueles colegas com quem eu tinha tardes de pura diversão e ria-me às gargalhadas, estão agora tão maduros e sérios. Talvez porque a nossa mentalidade muda com os passar dos anos… talvez porque nem todas as amizades duram para sempre, sendo necessário avançar com a vida e deixa-las para trás. Mas eu não sou assim… não consigo esquecer o passado, por muito que queira. Mas parece que… a partir de hoje a minha vida vai mudar… Vou ter de esquecer o passado forçosamente. Tenho de me concentrar nos estudos para poder ir para a Faculdade, conhecer pessoas novas e ter experiências novas…
Avancei, confiante, observando tudo e todos, à procura de alguém conhecido que me pudesse acompanhar. O meu pai deu uma buzinadela de incentivo e arrancou, deixando-me sozinha mesmo na entrada da escola. Uns alunos apressados empurraram-me, insultando-me, ainda a cheirarem intensamente o cigarro e com o isqueiro na mão. Multidões de alunos precipitavam-se para o portão, pelo que avancei agora menos confiante e, respirando fundo para me acalmar, fui andando em direcção a sala onde tinha a primeira aula. Reconheci a Cassie, mas sinceramente não sei bem como. O seu cabelo castanho ondulado transformara-se em ruivo despenteado e espigado. Usava um vestido um pouco mal escolhido e acartava revistas e posters de uma rapariga qualquer, provavelmente famosa. O choque foi tanto que fiquei a olha-la durante uns bons segundos. Uma rapariga, que outrora foi tão simpática e extrovertida agora está tão tímida e dentro do seu mundo.



Mas tocou e, de volta a realidade, quase corri para a sala para não chegar atrasada logo no primeiro dia e para não encarar os empurrões dos colegas.



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