Capítulo 06

Nessa noite, dormi mal. Tão depressa tinha frio como calor. E tão depressa sentia sono e tentava adormecer como estava mais acordada do que se tivesse bebido um litro de café. Acabei por me levantar e ir à cozinha, apanhar ar fresco na única janela da casa que não tinha estores.
Sentia-me curiosamente nervosa e ansiosa, tinha a testa suada e as mãos húmidas. Até o pijama de algodão verde estava colado ao corpo, proporcionando-me uma sensação de grande desconforto.
- Que se passa, Mel? - Perguntou o pai, acendendo a luz da cozinha.
- Não consigo dormir - queixei-me, esfregando os olhos.
- Eu aqueço-te leite. Vai ajudar-te...
Foi buscar a minha caneca favorita, que ele me ofereceu há sete anos, no dia da criança. Encheu-a de leite quente e deu-ma, carinhosamente. Ficou a fazer-me companhia.



- Melody... que se passa? Não é normal teres dificuldade em adormecer. Não estás doente?
- Não pai, não te preocupes. Não foi nada de especial...
Apaguei as luzes e saí da cozinha com o pai, fazendo os possíveis para ele não desconfiar a verdadeira razão da minha insónia: a conversa ao jantar sobre a constante ausência da mãe.
A noite mal dormida teve as suas consequências: estava com muito pouca paciência para as aulas, e muito menos ainda para as brincadeiras infantis da minha turma. Acabei por chegar tardíssimo à escola, mas como ainda tinha tolerância, fui ao cacifo guardar o material que não precisava para a primeira aula. Vi a Cassie a arrumar um cacifo cor-de-rosa e preto, que logo presumi ser o cacifo da Sarah.



- Olá Cassie! O que estas a fazer?
- Estou a arrumar o cacifo da Sarah - respondeu ela, estupidamente entusiasmada.
- Mas já esta na hora da aula. Vais apanhar falta!
- E qual e o problema? Desde que o cacifo da Sarah fique arrumado, por mim tudo bem - disse ela, futilmente.
Completamente chocada, nem lhe respondi. Segui em frente até ao meu cacifo, deixei lá o que não ia precisar e fui para a sala de aula, ciente de que se demorasse um pouco mais acabava-se a tolerância. Ainda olhei para trás uma vez, na esperança de ver Cassie ser chamada à razão. Mas depressa percebi que a obsessão dela pela Sarah era eterna e que, por mais que a avisasse, a cegueira dela ia continuar.
As aulas nem correram da pior forma, mas no intervalo vi uma coisa que já estava à espera de ver:
- Chamas a isto limpar? Está tudo sujo ainda!
- Desculpe, não vi essa parte!



- Vê lá se não queres que te substitua…
- Não por favor! Não faça isso! Eu adoro trabalhar no seu cacifo! – A Cassie parecia que estava possuída, quase se ajoelhou para não perder o “trabalho”.
Quando a Sarah se retirou, eu fui ter com a Cassie:
- Cassie, tu não vês que ela é má para ti? Abre os olhos!
- O quê? Eu é que fiz mal! Não limpei tudo!
- Mesmo assim ela não tinha nada que ralhar assim!
Nesse momento, a Cassie virou logo a cara para o cacifo, parecia um pouco assustada, mal eu sabia que ia começar ali uma discussão:
- Desculpa, mas tu estás a falar com a minha empregada? – Acho que não é difícil de adivinhar quem seja. A Sarah.
- Eu apenas estava a falar com a minha amiga, não posso?
- Não! Na sua hora de serviço, não!
- Peço desculpa, mas também acho que não devia exigir tanto desta rapariga…



Eu já me estava a enervar. E nesse momento, a Cassie levantou-se e pediu para eu me ir embora.
- Melody, deixa estar, vai-te embora… por favor!
Eu respirei fundo e retirei-me… O meu coração estava aos pulos… Estava bastante enervada. A Sarah tem o ego demasiado elevado, o que começa a pôr-me louca!
Fui para a Biblioteca. Se calhar vai ser o sítio onde me vou meter estes próximos intervalos para não ter de encarar aquelas situações lamentáveis. Vi o Dave, sentado a ler um livro. Sentei-me ao pé dele.



Ainda tentei falar e arranjar temas de conversa, mas ele não é lá muito bom ouvinte. Se calhar porque não me conhece lá muito bem.
- Então… Qual é a tua disciplina preferida, Dave? – Perguntei eu.
- Química…
- Ah… eu gosto de qualquer uma que não exija cálculos. – Ri-me um pouco, mas ele pediu-me logo silêncio absoluto.



- Tu mudaste de turma, Dave?
- Sim…
- Eu também! Sinceramente não bem porquê. Afastei-me dos meus verdadeiros amigos… Mas também se continuasse naquela turma era a mesma coisa que estar nesta. Eles mudaram muito…
Por mais que eu falasse, o Dave continuava com aquela expressão trancada, lendo o seu enorme livro. Acabei por desistir e levantei-me. Peguei na minha mala e fui andando para a sala de aula, evitando confusões e empurrões.
Bati à porta, e estava lá a minha professora.
- Posso entrar ‘stora?
- Claro… Então porque não estás lá fora? – Perguntou ela com um grande sorriso, embora esse mesmo sorriso se transformasse numa horrível cara séria na aula.
- Não me apetece muito estar lá fora… ‘stora, eu queria falar consigo. É sobre o Dave! Vim agora da Biblioteca e… Eu acho que você devia insistir mais numa conversa aberta com ele. Eu acho que ele precisa de desabafar com alguém!



- Estou a ver…
- É que parece que ele tem estado a acumular tristezas e desgostos… eu acho que ele precisa mesmo de deitar cá para fora alguma coisa que o esteja a perturbar!
- Pois mas eu já tentei de tudo menina Knight, e não sei o que fazer! Se calhar, se fosse a menina a falar com ele, ele talvez se sentisse mais à vontade! Sabe, é uma rapariga da mesma idade que ele, portanto ele vai-se sentir mais à vontade!



Eu arregalei os olhos… nem acredito no que me fui meter.
- Mas eu…
- Está decidido menina Knight! Vai ser você a puxar conversa!
Aquele sorriso tão simpático da professora fez-me aceitar o desafio… Parece que a partir de hoje, tudo se vai complicar…

7 Response to "Capítulo 06"

Postar um comentário