Capítulo 52

Aquele jardim, onde as aragens frescas e românticas interceptavam as copas das árvores, perdeu rapidamente a cor. O chão começou a mover-se e as árvores e rodopiar. No meio daqueles movimentos incansáveis, toda aquela extensa área ficou transformada em farrapos de sombras e escuridão. Percebi rapidamente que aquele momento tão emocionante tinha acabado, e que ia ser, inequivocamente, levada para outra parte daquela cidade completamente revirada.
Fechei os olhos com todas as forças que tinha, enrugando a testa e contraindo o corpo para mais uma abrupta queda, ora num chão de madeira, ora num prado lamacento junto a um cemitério. Mas nada… nada me fazia prever a queda num chão alcatifado de um hall de entrada, com um aparador ao fundo do mesmo, onde repousava um jarro de Girassóis e um telefone.



Levantei-me rapidamente, olhando em redor, naquele hall. Estava a reconhecer aquela divisão de algum lado, mas não tinha bem a certeza, pois a imagem que ainda se erguia, no meio de sombras, diante dos meus olhos era ténue e não era possível ter uma noção de onde estava.



Foi então que aquele hall ficou finalmente nítido, e as minhas especulações sobre aquele lugar pareceram tornar-se verdadeiras. Estava na minha própria casa.
Antes de me sentir realmente satisfeita, antes de ir rapidamente abraçar o meu pai e dizer-lhe que estava tudo bem, fui analisar um velho calendário que se encontrava junto do relógio de pêndulo ao lado da porta.

15 De Novembro de 1990

Nem me dei ao trabalho de deixar a aflição percorrer o meu corpo, outra vez, e dirigi-me a uma porta que se encontrava entreaberta.
Entrei pela porta da qual brotavam rasgos de luz dourada de um candeeiro. Abri-a lentamente, embora soubesse que ninguém me ouviria. Lá dentro, estava a minha mãe, a olhar-se ao espelho do roupeiro castanho do quarto dos meus pais. Este estava praticamente igual. A única coisa de diferente era a arrumação, porque nisso o meu pai, com a constante ausência da minha mãe, no presente, desleixava-se sempre. E então reparei que, a um canto do quarto, estava uma quantidade infindável de peluches, que eu reconheci como sendo os meus.



O meu olhar desviou-se para a minha mãe, que vestia umas calças de ganga velhas e uma blusa larga e quente. O cabelo preto caía-lhe desajeitadamente pelos ombros. Eu podia ver pelo espelho o sorriso que lhe marcava o rosto. Aproximei-me dela, e aí apercebi-me o motivo da sua felicidade.
Quando me pus de frente para ela, consegui vislumbrar a sua enorme barriga, na qual pousava as mãos, dando carinhosas festas.



Era impossível descrever o turbilhão de sentimentos que me passaram pela cabeça naquele momento. Muito estranho, mas verdadeiramente gratificante ver a mãe grávida. E vê-la tão feliz, tão contente por mim, fez-me pensar que talvez estes anos todos em que apenas soubera criticar-lhe por estar longe, estivera a ser injusta. Porque se ela estava tão feliz por mim, tinha de ter acontecido algo verdadeiramente grave para nos ter separado. Caso contrário, simplesmente não podia acreditar que ela se separaria de mim e do pai durante 18 anos. Enquanto várias imagens fragmentadas passavam pela minha cabeça a minha mãe calcorreava o quarto como se fosse uma menina a desfilar no Carnaval, com o seu fato de princesa novo. Estava já suficientemente perto dela para me aperceber que, apesar da sua nítida expressão de contentamento, parecia estar maldisposta ou enjoada.
Mas esqueci-me logo daquele pequeníssimo detalhe, quando ela sussurrou para a sua barriga umas palavras carinhosas e familiares:
- Quando tu nasceres, a minha vida vai ficar verdadeiramente perfeita!
E no momento em que disse aquelas reconfortantes palavras, as lágrimas começaram a brotar dos meus olhos, fazendo-me arder a pele da face, que se encontrava nitidamente gelada por toda aquela viagem no tempo, com diferentes climas.
A mãe saiu do quarto e foi para sala de estar, onde eu não consegui notar nenhumas diferenças, pois aquela arrumação mantinha-se no presente, pois eu encarregava-me disso no lugar do meu pai.
Sentou-se no fofo sofá, segurando a sua pesada barriga e suspirando de alívio pelo conforto. Mas o conforto não durou muito tempo, pois um leve guincho percorreu a sala, seguido de um enorme e visível sorriso.
- George, George! Vem cá abaixo! Depressa! – Chamou a mãe.
Escassos instantes depois, ouviu-se a madeira das escadas que davam acesso à sala chiar, com os passos acelerados do pai.
- Melody! O que se passa, mulher? – Perguntou, ofegante.
A mãe pegou na mão do pai e levou-a á sua barriga. O pai, assim que pôs a mão sobre a barriga, desenhou um enorme sorriso na sua face, olhando, ora para a mãe, ora para a barriga.



- O primeiro pontapé da nossa filha, George! Olha, consegues ver? É o seu calcanhar! Olha, olha!



Os dois estavam tão felizes como eu, que já estava com as lágrimas nos olhos outra vez.
O pai levantou-se e beijo carinhosamente a mãe, dizendo-lhe que a amava nos pequenos intervalos do beijo.



Passados poucos minutos, o beijo vou interrompido pela campainha da porta de casa.
- Eu vou abrir, tu tens de descansar, não podes fazer esforços.
- George, eu estou grávida, não estou doente!
- Faz o que te digo! Fica sentadinha aí, eu vou ver quem é.



Dirigiu-se à porta da entrada e rodou a maçaneta lentamente, ainda a tirar o olho do pequeno vidro do qual se podia ver a rua toda.
- Arthur! Que bom ver-te! – Exclamou o pai, dando um aperto de mão ao tio Arthur.
- Olá, George! A minha irmã está?
- Claro, queres falar com ela?



O tio Arthur mudou a sua expressão contente para uma expressão comprometedora e lunática.
- Sim… preciso mesmo de falar com ela. Não te importarias se eu falasse a sós com a Melody pois não?



- Ora essa! Fiquem á vontade, eu vou andando lá para cave, estou a trabalhar num pequeno projecto.
- Tu e as tuas invenções, George. – Disse Arthur no meio de gargalhadas. – Até logo!



Assim que o pai desceu as escadas, a expressão do tio mudou uma vez mais, entrando, num passo hesitante, pelo arco que dava acesso à sala.

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