Capítulo 62

Avancei até à porta, ligeiramente nervosa. Estendi o indicador direito trémulo, e pressionei a campainha. Não precisei de esperar muito tempo para a porta de madeira chiar e revelar a minha avó, tal e qual como eu me lembrava dela: Magra e de baixa estatura. O cabelo curto branco como a neve realçava os seus olhos verdes. Estes eram de um profundo verde-escuro, da cor das florestas no crepúsculo.


A sua boca desenhou um sorriso meigo, e abraçou-me enternecida, murmurando o meu nome por entre soluços.


- Como tu estás crescida! – Disse, olhando para mim com um entusiasmo que não se preocupou em esconder. – Entra, querida!
Entrei em casa, fechando a porta atrás de mim. A minha avó conduziu-me a uma pequena sala de estar, que identifiquei pelo seu intenso cheiro a flores. Cheirava a flor de laranjeira e rosas. Aquela mistura de fragrâncias era subtil mas perfeita. A avó sentou-se no sofá, ao meu lado, e pousou as suas mãos esguias por cima das minhas. Aquele gesto relembrou-me o amor que lhe tenho, e as saudades que retinha dela.
- Tinha tantas saudades, querida! Como o tempo passa! Estás tão linda! – Os elogios eram infinitos, mas grande parte desses elogios passava-me ao lado, com a tristeza que me perfurava o coração naquele momento.


A avó notou algumas lágrimas a brotarem dos meus olhos e nesse mesmo instante mudou logo a sua expressão.
- Eu descobri tudo, avó. – Disse, soluçando.
Por sua vez, a avó não disse nada, e passados alguns instantes, que pareceram uma fracção de segundo, a fixar-me nos olhos incansavelmente, abraçou-me ternamente, também soluçando.
- Porque é que ele me fez isto, avó? Porquê?
- Eu bem o avisei… Ele gosta muito de ti Melody!
- Não… se gostasse de mim não me tinha feito isto…


Quando a avó me largou, ficou um pouco atónita a olhar para a minha mala, que transbordava de roupa. A sua expressão parecia aguardar uma resposta daquela inesperada visita.
- Avó… preciso de lhe pedir uma coisa.
- O que foi, filha?
- Posso ficar aqui durante alguns dias? Não sei quanto tempo ficarei mas não quero estar junto do meu pai…
- Eu compreendo-te. O George… é tão teimoso. O Arthur bem o avisou, mas ele nem quis saber. Eu cheguei a telefonar-lhe, uma noite! Queria convencê-lo a contar-te toda a verdade, mas já esperava uma resposta negativa por parte dele.
- Então foi disso que tu falaste com ele? Sobre a morte da minha mãe? Foi por isso que ele ficou tão estranho!
- Pois é, e recusou-se a passar-te o telefone para falares comigo.
- Idiota…
- Não fales assim do teu pai, Melody Knight!


O olhar imperativo da avó provocou um súbito silêncio naquela sala. Lembrei-me de lhe perguntar sobre o avô, para quebrar esse silêncio.
- Onde está o avô?
- Foi para a Quinta dele em Riverview. Ele sempre a preservou, e não confia nos Caseiros para tomarem conta daquele pedaço de terra suja.
- Parece que não chegaram a vendê-la.
- Mas é claro que não vendemos, Melody! Ele é obcecado… Tal como a tua mãe era, quando era mais nova. Ela fazia questão de ir com o teu avô para essa Quinta. Eu lembro-me perfeitamente.
O olhar da minha avó dispersou-se por toda a saleta, e eu notei que procurava algo.
Levantou-se e encaminhou-se a um armário envidraçado, de onde tirou um álbum de fotografias. Mal se sentou, abriu-o e eu senti logo um misto de tristeza e euforia. Era a mãe.


- Aqui, a tua mãe estava a ajudar o teu avô com a Vinhas. Ela adorava o campo! Era capaz de passar lá horas a fio sem se fartar e pedir para ir embora, como o Arthur fazia.
- Ele não gostava da Quinta?
- Não… nesse aspecto o Arthur é mais parecido comigo. Ele gosta mais do mar e de uma paisagem aberta onde se veja o horizonte.
- O tio Arthur tem-lhe feito visitas?
- Sim… mas raramente. Ele trancou-se na igreja. Acto nobre, na minha opinião, mas não deixa de me despedaçar o coração.
A avó avançou para outra página do álbum, e reconheci logo a foto.
- Nunca mais me esqueço da altura em que tirámos esta fotografia, quando o Arthur partiu um dente de leite e pensou que ia morrer. – Soltou um suave riso. – Ele ficou indignado, pois eu e o teu avô só nos riamos dele.


Apontou para outra fotografia.
- Aqui o Arthur e a Melody tinham ido para a Quinta pela primeira vez… brincaram juntos horas a fio… A tua mãe ria-se tanto com o Arthur.


Observei um pouco melhor uma fotografia da mãe, e mais uma peça se encaixou neste puzzle de dúvidas. Era ela… era ela que eu via.
Via-a em criança por toda a parte, e ouvia as suas gargalhadas nos meus ouvidos. Era a minha mãe, em pequena.
Senti logo uma vontade ígnea de desabafar com a avó sobre as visões que tive durante todos estes meses, mas o seu olhar focava-se, tal como as atenções, no álbum de fotografias, e eu era quase incapaz de a interromper.

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