Capítulo 59





Saí da igreja, acompanhada do meu tio. Cada um de nós ia com uma vela acesa na mão, iluminando todas as áreas que passávamos. No momento em que caminhava para o cemitério, senti um forte arrepio a apertar-me as costas, fazendo-me abrandar ligeiramente o passo. Talvez aquele arrepio fosse provocado pelo simples facto de a atmosfera daquela igreja estar gelada? Ou pelo facto de saber que, naquele momento, ia estar, pela primeira vez na vida, perto da minha mãe?
- Melody! Anda! – Sussurrava o meu tio, embora soubesse que não estava ninguém ali. Aquele seu tom de voz mostrou algum respeito por aquele lugar, o que me pôs bastante satisfeita.
Caminhei para junto dele, e notei que a sua expressão mudara desde então. Tentei ver para onde os seu olhar imóvel apontava, mas parecia que olhava para todo aquele cemitério. Lentamente, com a sua mão livre, apontou para uma campa que se destacava das outras, pelas flores que a ladeavam:


- É ali. A tua mãe está enterrada, ali.
Permaneci imóvel durante alguns instantes, mas o entusiasmo que eclipsava aquela típica ansiedade impulsionou-me para a relva húmida.
O silêncio reinava naquele lugar, apenas ouvia a minha respiração, e a do tio, claro. O cemitério estava fantasmagoricamente envolto de uma densa escuridão, que apenas não se generalizava pela força da luz das velas.
Naquele momento parecera-me que tudo desaparecera, incluindo o tio Arthur. Nada de vozes, de sombras, de visões… nada. Senti-me isolada, sozinha, apenas com aquela lápide para me fazer companhia. Senti a ansiedade trepar-me o coração, e o enésimo ligeiro arrepio a percorrer-me as entranhas.
Avancei mais alguns passos, em direcção á campa da minha mãe. À medida que me aproximava, a pequena chama da vela ia revelando algumas flores e erva daninhas que começavam ali a crescer.
A vela também iluminou a lápide graciosamente, revelando algumas palavras meticulosamente gravadas na lápide:

Aqui jaz, Melody Knight, uma grande Mulher.
1958 – 1992

Ajoelhei-me perante aquela lápide, e pousei gentil e cuidadosamente a vela.


Por segundos pareceu-me que a chama da vela cresceu subitamente, ao colocá-la junto da lápide da minha mãe, mas não passou de imaginação minha, provocada pela emoção que aflorava da minha expressão naquele momento.
Comecei a chorar desesperadamente, com aquele infantil pensamento que, se chorasse infinitamente, teria a minha mãe de volta. As lágrimas quase me queimavam a cara, contra a qual embatia um forte e gelado vento, carregado do agradável odor a Eucalipto, vindo do bosque denso e melancolicamente verdejante que ali se encontrava, para lá das vedações de ferro forjado do cemitério.


Tudo me pareceu ainda mais profundo e escuro. Mantinha os olhos abertos para vislumbrar aquela lápide. Nunca me sentia tão perto da minha mãe, como naquele momento. Sentia, talvez psicologicamente, um calor sobrenatural a percorrer-me o corpo, como se a estivesse a abraçar carinhosamente. Apesar do vento, a vela não se apagava. A chama mantinha-se empertigada e constante, com aquela suave luz a inundar a relva.
Conseguia ouvir o meu tio, que pouco tempo depois de eu me ajoelhar colocou a sua vela, a soluçar também, como se fosse a primeira vez que estivesse a visitar aquela lápide.



Nada me fazia prever aquela sensibilidade, vinda de uma pessoa que tinha o coração, aparentemente, petrificado pelo desgosto.


Um suave, quase imperceptível, chuvisco começou a humedecer-me a cara, a chama da vela a abrandar progressivamente. Nesse mesmo instante, senti as mãos geladas do meu tio a encobrir-me os ombros, pedindo-me para voltar para dentro da igreja.
Todo aquele cemitério reapareceu em meu redor, recordando-me que não me encontrava sozinha ali, como eu, por segundos, pensei estar.
O tio Arthur pôs-me suavemente de pé, dando um último olhar relançado na lápide da mãe.
Em silêncio, entrámos no escritório escuro salpicado pela luz ténue do luar. Ainda sentia as lágrimas a deslizarem pela minha cara abaixo. E sabia que com o meu tio se passava o mesmo, ao vê-lo levar a manga áspera à cara. A fungar incansavelmente, tirou da embalagem de plástico o cobertor quente que me comprara e deu-mo. Apagou a lareira para conseguir dormir melhor e, após me aconchegar no sofá, saiu do escritório em direcção ao altar. Senti um aperto no coração, ao pensar no banco do altar frio e desconfortável que seria a sua cama durante a noite. Tudo porque eu estava no seu sofá.
- O tio fica bem? - Perguntei, inutilmente. Sabia perfeitamente que a resposta seria afirmativa. Sentia-me verdadeiramente culpada, pelas más condições em que ele estaria naquela noite.
- Sim, Melody, não te preocupes! - Retorquiu ele, vivamente. No entanto, a sua voz não passou de um murmúrio distante.
Nesse momento, ouvi um estrondo, embora não o conseguisse ver. O estrondo foi bastante audível, e logo após esse som perturbante, comecei a ouvir incansáveis lamúrias por sua parte.
- Está tudo bem! - Declarou ele, no mesmo tom vivo com que falara há pouco. No entanto, eu detectara desagrado e dor na sua voz, que tremelicara ligeiramente.
Nessa noite, adormeci rapidamente. Todas as emoções daquele dia tinham-me posto realmente cansada como se fossem barras de aço espesso de incalculáveis toneladas em cima dos meus ombros. Não descansava decentemente há imenso tempo, e, apesar de o sofá não substituir a minha cama, estava confortável e quente, o que me proporcionou um sono tranquilo. Tive a leve sensação de o meu tio me ter dado um beijinho meigo e carinhoso na testa, enquanto dormia. Era indiscutivelmente bom sentir o seu apoio naquelas últimas horas, em que todas as forças que restavam se tinham eclipsado quando fora ver a lápide da minha mãe.


No dia seguinte, acordei com os primeiríssimos raios de Sol dourados a interceptarem as janelas daquele escritório, fazendo-me abrir lentamente os olhos. Notava, pelo silêncio que ainda cobria aquela igreja, que o meu tio ainda se encontrava a dormir, por isso, com o máximo de silêncio possível, dirigi-me ao banco onde supostamente estivera a dormir. Não obstante, ele não se encontrava em banco nenhum, por isso era óbvio que já estava acordado.


Saí da igreja, e consegui vê-lo, que cortava alguns troncos.


Aproximei-me dele que, gentilmente, me perguntou:
- Bom dia. Dormiste bem?
- Sim, dormi, obrigada. Tu é que não deves…
- Melody, já te disse. Não me importo! – Disse o tio, já impaciente.
Continuou a cortar um pequeno tronco e, embora eu estivesse ciente que era a pior altura, decidi dizer-lhe:
- Obrigada por tudo, tio. A sério. Muito obrigada por me acolheres aqui!
Ele parou de cortar o tronco, e olhou para mim com um olhar humilde, assentindo com a cabeça em sinal de concordância.
- Vais embora hoje?
- Sim… Embora não queria ver o meu pai… ele já deve estar preocupado. Embora isso não me interesse nada.


- Melody, ele é teu pai.
- Eu sei. E é por isso que eu vou regressar, embora não lhe diga absolutamente nada, mesmo se ele me der um sermão.
- E quando é que vais, hoje?
- Agora mesmo.
Ele levantou-se, pronto para se despedir de mim, com um ligeiro sorriso esboçado no seu rosto.
- Acho que isto até foi bom. – Disse, olhando para o horizonte. - Sinto-me bem. Sinto que a minha mãe está bem, e… todos estes choques fizeram-me perceber uma coisa. O passado esconde segredos inimagináveis… E depois disto, sem exactamente o que fazer quando chegar à escola.
- Do que é que estás a falar?
- Nada… Estou só a pensar. – Seguiu-se um breve silêncio. – Obrigada tio. Muito… obrigada.
E dito isto, dei-lhe um primeiro abraço, sentindo a sua túnica picar-me a pele. Mas isso pouco ou nada me importava, pelo carinho e afecto que comecei a sentir por ele naquele momento. Sentia que um simples "Obrigado"… não era suficiente.



6 Response to "Capítulo 59"

  • mmoedinhas Says:

    O tio Arthur é um doce... Adoro!!!!!!
    Foi muito comovente a parte em que ela acendeu a vela... E a forma como escreves, cheio de detalhes é unica!!!!

    preciso de ver mais, estou ansiosíssima para ver o confronto do pai com a Melody... Vai dar chatice :S

    deg deg


  • ¡๓εร Says:

    UAU!!! Tudy, GOSTEI IMENSO DESTE CAPÍTULO!!
    Foi mesmo lindo, goatei dos momentos carinhosos entre a Melody e o tio Arthur! Mesmo lindo.. Acho que tenho de dizer "Obrigada!", porque adoro os teus capítulos e a maneira como escreves!! Lol

    Quero.... MAIS!!!! Fico à espera xD


  • Maines & Didi Says:

    WOW, amei!!! A parte em que ela pôs a vela na lápile da mãe foi bastante comovente!!! AMEI... Adorei a parte em que o tio deu-lhe um beijo para ela dormir... não sei porque mas essa parte comeveu-me ainda mais!!!

    Esta história está cada vez mais interessante... nem sei o que dizer, para além de ESTÁ EXELENTE!!!

    Acho que este foi o início da amizade entre ela e o tio... Amei, adorei, gostei... nem sei o que dizer!!! Estás de parabéns...

    Continua, quero continuar a ler esta magnifica história...

    Ass: Diana


  • João Says:

    AMEI!
    LINDO!
    PERFEITO!
    YAY!
    Quero mais... u________________________u
    E adorei completamente a parte da vela! Lindíssimo! As fotos então, deixaram-me =O
    Continua assim!


  • Mr.Lis Says:

    Adorei !!!
    A Mel em qualquer altura consegue ser compreensível :D

    Adorei !
    Parabéns !


  • Mariana Says:

    a imagem da lápide com as velas está linda!:)


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