Capítulo 57
A força com que o pai fechou a porta, fez com que um perturbante estrondo ecoasse pelo escritório todo. O tio recuou alguns passos, com uma cara visivelmente enervada. Atirou o seu copo de Uísque para o chão, que embateu contra o mesmo, fazendo alguns estilhaços esvoaçar. Comecei a estranhar a pouca nitidez com que começava a ver aquelas sombras. Aquele escritório parecia que ondulava diante dos meus olhos e apresentava-se visivelmente turvo. Esfreguei os olhos, mas a imagem ia ficando cada vez mais desfocada, fazendo-me perder a noção de onde estava e para onde me virava.
Comecei a recuar alguns passos hesitantes, olhando em redor na esperança de encontrar alguma parte daquele escritório nítida, mas tudo ondulava, e tudo se tornava cada vez mais frágil, pois, quando tentava apoiar-me em algum objecto, o mesmo ia-se dissolvendo em sombras lentamente, dando a incrível sensação de que me apoiava numa simples nuvem espessa.
Foi então, que o chão se desfez sobre os meus pés, fazendo com que todo o recheio daquela sala desaparecesse e deixando-me envolta de um denso negrume. Após alguns segundos de puro silêncio, como se me encontrasse dentro de uma sala à prova de som e absorvedora de luz, um enorme remoinho de minúsculas gotículas cristalinas envolveu-me o corpo, qual temperatura gelada me apunhalou o peito, deixando-me paralisada.
De seguida, quando pensava que não restava nem um grama de pura agonia, rodeada daquele imenso gelo, o remoinho fez com que o meu corpo levitasse até a uma superfície.
Quando finalmente cheguei à superfície inspirei o mais profundamente possível, pois o ar já escasseava no meu peito.
O ar, apesar de sentir um enorme alívio sobre o peito, ficava entalado na minha traqueia, sufocando-me ligeiramente, mas, naquele momento, após ter descoberto que vivi iludida por uma mentira durante dezoito anos, pouco me importava.
Chorava desalmadamente, deixando as lágrimas aquecerem-me ligeiramente a cara, que se encontrava gélida. Soluçava incansavelmente, o peito a contrair-se progressivamente.
Empoleirei-me no parapeito do poço, e caí no chão de madeira envelhecida, ainda a soluçar.
Caí diante de uns sapatos velhos, sobre os quais caía um espesso tecido áspero. Ergui a cabeça, e consegui vislumbrar o apático rosto do tio Arthur, que não tinha mudado quase nada. Este agarrou-me delicadamente e pôs-me, dentro dos possíveis, de pé, ainda agarrando-me pelo ombro.
Olhei para os seus olhos verdes-água, que se assemelhavam incrivelmente aos meus, e este esboçou um ligeiro, quase invisível, sorriso, e envolveu o seu braço nas minhas costas, ajudando-me a sair daquela cave.
Percebi que, para meu profundo alívio, eu tinha, finalmente, regressado ao presente, pois já não passava de uma nuvem de fumo que todas as pessoas ignoravam.
Não disse nem uma palavra, pois os soluços abafavam-me as forças para dizer o que quer que fosse, conquanto, o meu tio ia-me murmurando algumas palavras para me reconfortar.
- Está tudo bem, Melody. Está tudo bem…
Embora parecendo que o ignorava por completo, aquelas palavras penetraram nos meus ouvidos, acalmando-me ligeiramente.
O meu tio conduziu-me a um escritório, com o seu braço direito pousado carinhosamente sobre os meus ombros. Quando lá entrei, reconheci imediatamente o espaço. Os sofás, a madeira envernizada e a enorme estante coroada de bíblias, não deixavam margem para dúvidas. Era a sala onde o meu pai e o meu tio tinham discutido, no passado. Estava igualzinha!
O tio foi direito a um armário que destoava no meio das imensas prateleiras pelas suas escassas dimensões, e tirou do seu interior uma manta escura, que pousou sobre as minhas costas.
- Obrigada, por tudo o que está a fazer por mim - disse, tentando secar as lágrimas que não cessavam.
Fitei o seu habitual rosto apático e gélido, ligeiramente nervosa. Mas, ao olhar com mais atenção, reparei no brilho anormal que tinham os seus olhos. E apercebi-me que estes retinham lágrimas. No fundo, ele era muito mais do que aquilo que as aparências indicavam ser. Tive a sensação de que o tio Arthur foi, em tempos, um coração de ouro, sentimental e sensível, mas que se petrificou com a morte da mãe.
No meio destes pensamentos, ele levantou-se sonoramente e foi preparar alguma coisa. Entregou-me então uma caneca, que continha chocolate quente com um cheiro realmente tentador. Bebi um gole alongado, que quase me queimou a boca, e envolvi as mãos na caneca para as aquecer. Ele sentou-se ao meu lado, a beber café de um uma chávena de vidro fino.
- Como é que... – Balbuciei no fim de beber mais um gole do chocolate. - Mentir-me pode ser o melhor para mim? Eu vivi estes 18 anos a pensar que a minha mãe não queria saber de mim para nada e afinal...
- Tem calma Melody, o teu pai...
- O meu pai mentiu-me! E a mentira nunca é o melhor caminho! - Vociferei.
Pude ver, pela expressão do meu tio, que ele concordava comigo. Mas limitou-se a beber um gole de café e a dizer:
- Ele só queria que tivesses uma vida normal.
- Uma vida normal? E ter uma mãe sempre em viagens de negócios, que nunca quer saber de mim, é ter uma vida normal? - Indaguei, com uma nota de cinismo na voz.
- Eu sei que não foi o melhor que o teu pai fez. – Proferiu o tio Arthur. - Mas ele queria proteger-te. Não fez por mal.
Durante algum tempo, fiquei sem saber se ele estava do meu lado ou não. Fui bebendo, nervosa, o meu chocolate quente, observando timidamente os seus olhos verde-água, que brilhavam como dois diamantes.
- Eu até posso entender que até aos 10 anos ele não me tenha contado, mas... depois disso não há desculpa possível! Ele tinha obrigação, como meu pai, de me contar a verdade - O meu tio abriu a boca para falar, mas eu recomecei, cada vez mais irritada - Ele queria manter esta mentira a vida inteira!
Ele suspirou, e eu percebi que ele sabia que eu tinha razão.
- Não fiques chateada com ele, Melody - Disse-me ele, com ternura.
- Nem parece o tio Arthur que discutiu com o meu pai há 18 anos atrás…
Ele olhou para mim com um ligeiro, e inacreditável, sorriso, pousando a chávena de café no pires que se encontrava na mesa de centro.
- Tu vives aqui?!
- Sim…
- Porquê?
O tio Arthur não se pronunciou de imediato, fazendo com que me sentisse uma estúpida por ter perguntado aquilo. Ergueu a cabeça e disse, com um tom de voz reduzido:
- Queria ficar o mais perto possível da tua mãe…
- Ela está sepultada neste cemitério?
-Sim… foi o último enterro, antes de… a Igreja fechar. Vais-te rir mas… eu fiz-me passar por mendigo para me poder alojar aqui, em segredo. Se os guardas-nocturnos soubessem que alguém vive aqui, muito provavelmente, eu ficaria a dormir na rua. – O tio Arthur soltou um pequeno riso. – O que é que vais fazer? – Perguntou já com a sua habitual expressão apática. – O que vais fazer quando saíres daqui?
- Eu não quero sair daqui hoje, tio! Não sou capaz de encarar o meu pai agora!
- Então o que pretendes fazer?
- Ficar aqui…
- Não… é que nem pensar. Aqui faz muito frio e…
- Para alguma coisa serve a lareira. Tio, eu fico bem. E… quero ver a lápide da minha mãe. Quero acender uma vela para ela.
Passados alguns instantes com uma expressão de contradição por parte do meu tio, este assentiu e levantou-se, dizendo que ia buscar algumas mantas para eu pernoitar no sofá.
Estou embasbacadíssimo... assim: =O
Tás a ver?
É brutaaaalíssima a maneira como escreves! *-*
E agora quero ver como é que vai correr entre ela e o tio. =)
Espero ansiosamente por mais! Yay! (:
Olá! Ando a seguir este blog desde o início, e confesso, está cada vez MELHOR!! Amei este capítulo, está absolutamente LINDO! Adoro a maneira como escreves! Continua..^.^
Olá... estou a seguir á muito este blogue e estou a AMAR... nao sei bem explicar, tens uma forma muito expresiva de falar dos sentimentos é incrivel!!!!!
Bem, AMO a historia e ADORO lê-la... atrevo-me até a dizer que foi uma das melhores que já li!!!
Muitos parabéns, e vou seguir este blogue todos os dias... espero por mais!!! Bjs, e continua o teu maravilhoso trabanho!!!!
++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
amei, so faltava a mae recuscitar! a sério, e os cenários estao divinais!
Muito obrigado a todos! Ainda bem que gostaram! *.*
Ola :)
Logo a seguir de ler a ultima palavra veio-me à cabeça que devias editar um livro com esta historia. Nunca te desfaças dela, um dia podias edita-la e fazer a proposta de lançamento do livro a uma editora.
Eu JURO que comprava na mesma. :)
Boa sorte, estou a adorar. Fiquei comovida quando ela quis acender uma vela à mãe.
Beijos e continua.
Bem, o que me surpreende mais é o facto de o tio não ter envelhecido nada em 18 anos...
Mas tirando isso, gostei, como sempre! E anseio por mais!!
Já agora, 'cadê' o comentário da mmoedinhas? E que e mais uma coisa que eu leio sempre no fim de todos os capitulos xD
Adorei !!!
Já viste Tudy tens tantos comentários !!!
Muitos parabéns !!!
O George vai ficar mesmo preocupado com a Mel...
Adorei !!!
Parabéns !!!
Muito obrigado a todoooos! Pois é! Carradas! xD Que bom!
João, o tio da Melody, tal como o pai, não mudaram muito, apenas os cabelos brancos, e eu pus cabelos brancos no tio Arthur, só que, com o capuz, não apareceram! ;) Mas não, nem o tio nem o pai da Melody mudaram muito! Apenas os transitem da fase JOVEM ADULTO para ADULTO! ;)
Escreves mesmo bem:D nunca pares de escrever:)
bjs*