Capítulo 54

A Ambulância travou abruptamente em frente ao portão do quintal de casa. Vários Paramédicos saíram de lá e empurraram o portão, correndo até à porta de casa, que já se encontrava aberta pelo pai.
- Onde é que ela está? – Perguntou um dos Paramédicos com o stress visível na sua cara.
O pai encaminhou-os até à cozinha, com as suas pernas a tremer e com a cara visivelmente pálida. Por sua vez, os Paramédicos pegaram na mãe e puseram-na delicada e cuidadosamente em cima de uma marquesa e empurram-na até à Ambulância. O pai acompanhou-os com a sua mão incansavelmente entrelaçada na da mãe, que gemia de dor, com as contracções que se faziam sentir na sua barriga.
Eu estava assustada, mas ao mesmo tempo emocionada por ver como eu seria em bebé. Entrei na Ambulância acompanhada pelos Paramédicos e pelo pai, que agarrava firmemente a mão da mãe.
- Vai correr tudo bem, Melody! Está tudo OK! – Exclamou nervosamente o pai, olhando nos olhos verdes da mãe. Esta apenas se limitou a assentir com a cabeça, com os olhos fracamente semicerrados, e com a mão quase que pendurada na do pai, pelas poucas ou mesmo nulas forças que tinha.
A viagem até à Maternidade não foi, felizmente, muito longa, e rapidamente os Paramédicos correram até às portas que davam acesso à recepção.
- O senhor vai ter de aguardar aqui! – Vociferou um dos Paramédicos, apontando para a sala de espera, não abrandando o seu passo até à sala de partos.


O pai estava com o nervosismo estampado na cara, a calcorrear o extenso corredor da Maternidade para trás e para diante.
Eu não consegui ficar paralisada a olhar para a minúscula televisão da sala de espera e entrei pela sala de partos adentro, ciente de que ninguém me via.
Os gritos da mãe ecoavam pela sala toda, com os suores frios a escorregarem-lhe pela testa. Respirava abrupta e aflitivamente, olhando para o tecto com as lágrimas a caírem-lhe pelo rosto.
- Faça força! – Exclamou uma enfermeira.
Quase que conseguia sentir a dor da mãe, pela pouca distância a que me encontrava dela e pelos seus gritos sofredores que me apunhalavam os ouvidos. Ela agarrava com todas as suas forças os finos lençóis da cama da sala de partos, puxando-os para trás e para diante para se abstrair da sua dor, mas parecia que nada resultava, pois sentia-se cada vez mais fraca e com os olhos cada vez mais semicerrados, não contendo os guinchos agudos que representavam a sua dor e desespero.
Alguns minutos depois, que me pareceram longas horas, ouviu-se um suave a agudo choro de um bebé e as enfermeiras rapidamente desenharam um sorriso nas suas faces ao ver que a bebé já tinha nascido. Eu.
A felicidade envolveu-me o coração, olhando para aquela bebé, que se encolhia de frio e tremelicava incansavelmente.
Olhei para a mãe, que sorria forçadamente. Aproximei-me dela, ainda com a emoção á flor da pele, mas essa emoção rapidamente se atenuou. Apesar de a dor ter terminado, a mãe parecia que sofria ainda mais respirando aceleradamente.
As enfermeiras que se encontravam de mãos livres, tiraram os olhos de mim, bebé, e quase que correram para junto da mãe.
- Ajudem-na! Tragam uma toalha molhada! – Ordenou a enfermeira que fixava a mãe. – Tenha calma! Está tudo bem!
- A minha filha, deixem-me vê-la. A… minha… filha… - Disse a mãe num tom fraquíssimo.
E depois, com um pequeno estremecimento, imobilizou-se por completo e os seus olhos verdes transformaram-se em simples globos vítreos, também imobilizados, na direcção do tecto, salpicados pela intensa luz dos candeeiros do mesmo.
A enfermeira empalideceu, boquiaberta, olhando para a mãe e tentando reanimá-la infrutiferamente. Levantou-se e olhou para as outras enfermeiras, imóveis, que esperavam uma resposta a uma incógnita pergunta.


- Está morta… - Disse a enfermeira num tom reduzido fazendo as outras enfermeiras sobressaltarem-se.


As forças sumiram das minhas pernas, como se as mesmas não passassem de simples e corroídas esponjas. A minha respiração acelerou radicalmente, assim como o bater do meu coração.
Um pouco antes de as lágrimas me brotarem pelos olhos, ajoelhei-me em frente à cama manchada de sangue da minha mãe, olhando-a nos seus olhos já imóveis. Queria, numa tentativa desesperada, pegar-lhe nas suas mãos desfalecidas, mas era como agarrar uma pequena nuvem de fumo… aliás… eu era o fumo. E nesse instante, as lágrimas brotaram-me dos olhos, soluçando desesperadamente. A vida tinha deixado de fazer sentido naquele momento. Todas as minhas escolhas, objectivos e rumos se desvaneceram naquela sala de partos, deixando-me sozinha com a minha mãe, ali, desfalecida naquela cama alagada em sangue. Sussurrava inúmeros “Nãos” para me tentar capacitar de que aquilo não passava de um pesadelo, mas tudo coincidia: Dezoito anos sem a minha mãe em casa… Dezoito anos sem a ver… Dezoito anos com as desajeitadas respostas falsas do pai, sempre que eu perguntava pela mãe. Ele sabia de tudo! E não me contou nada!


- Temos de avisar o marido! – Exclamou a enfermeira, com uma fina lágrima ao canto do olho.
Saiu de rompante da sala de partos, percorrendo o corredor. Eu segui-a…
Embora não estivesse com a mínima vontade de olhar para a cara do meu pai, queria saber qual foi a sua reacção à notícia.
Assim que a enfermeira entrou pela sala de espera, o pai levantou-se de um dos bancos num sobressalto.


- Não sobreviveu… - disse a enfermeira, com a tensão presente na cara e nos braços, que me seguravam com força mas delicadeza.
O meu pai perdeu por completo as forças nas pernas aparentando uma expressão horrorizada.


Os seus joelhos embateram sonoramente no chão, mas por poucos segundos. Levantou-se de seguida, correndo até à sala de partos. A enfermeira que dera a notícia tentou detê-lo, mas com pouco sucesso. Ele entrou lançado no quarto deparando-se com a mãe que jazia na cama, suja de sangue. Aproximou-se lentamente, com as lágrimas a turvarem-lhe a vista, e tocou na mão dela. Estava fria e lívida. O pai ajoelhou-se perante ela, a chorar descontroladamente.
- O senhor não pode estar aqui! - Avisou um médico, avançando num passo acelerado até ao meu pai.
- Isso não me interessa! - Vociferou este, afastando bruscamente o braço que o médico segurara.
- Por favor, não nos obrigue a chamar os seguranças! - Volveu ele, tentando infrutiferamente afastar o pai.
- Eu só quero ver a minha mulher uma última vez! MELODY!
Outros médicos e uma enfermeira aproximaram-se do meu pai barrando-lhe a passagem. Este estava transtornado. As lágrimas corriam pela sua cara a uma velocidade alucinante e a camisa estava desajeitada, pelos abruptos puxões dos médicos ao tentarem pô-lo fora daquela sala. Os braços tremiam como varas verdes e as pernas fraquejavam. Da testa escorriam gotas de suor. Nunca o tinha visto assim.
- NÃO! NÃÃÃÃÃO! Deixem-me ver a minha mulher! Eu tenho o direito de a ver! MELODY!
- O senhor já a viu, agora, por favor, retire-se! - Disse, delicadamente, a enfermeira, que reaparecera, ainda comigo nos braços.
- NÃOO! Melody, Melody! - Gritava ainda o meu pai, com a voz entaramelada.


Vi, desesperada, o meu pai tentar livrar-se com brusquidão dos médicos, ainda a gritar pelo nome da minha mãe. Respirava aceleradamente, e tinha as mãos a tremer muito. Quando os médicos o tiraram finalmente da sala de partos, ele sentou-se numa cadeira, chamando agora por mim. Apoiou a sua face nas suas mãos, chorando desalmadamente.



Nesse mesmo instante, uma enfermeira apareceu diante dele, comigo nos seus braços. O meu pai pegou-me carinhosamente, e acariciou-me as bochechas. Segurava-me firmemente e olhava-me com um sorriso quase despercebido.


Notei uma mudança de estado do pai assim que me pegou ao colo, contudo continuavam a cair espessas lágrima dos seus olhos, que transpareciam toda a tristeza que ele estava a sentir.
- Já sabe que nome vai dar à menina? - Perguntou a enfermeira, com um sorriso meigo.
- Já… - afirmou o meu pai, decididamente - Vai-se chamar Melody, como a mãe.


Apesar daquele comovente momento na sala de espera, o ódio e a raiva começaram a transbordar do meu peito, pensando na mentira que vivi durante dezoito anos. Derramava lágrimas, molhando a face, o cabelo e a camisola, pensando na mãe que nunca pude tocar… nem nunca poderei. Nem podia crer que o meu pai me mentiu todos estes anos…


5 Response to "Capítulo 54"

  • Diogo Says:

    Adorei simplesmente!
    Muito bem!
    Espero ansiosamente por masi meu amigo!


  • João Says:

    AMEI!
    ADOREI!
    Perfeitissimo em todos os pontos: cenarios, historia, descrições, efeitos, imagens, tudo!
    Quero MAAAAAAAAAAAAAAAAIS!
    AMEI TAAAAAAAAAAAAAAAAANTO!!!!
    Agr como vai ser a relação da Mel com o pai?
    Quero veeeerrr! *-*


  • Anônimo Says:

    Sabes, ainda tive esperança (mas tao leve que enfim... -.-') ela sobrevivesse devido à Melody acordar o pai, mas realmente era dificil xD

    Vamos la ver o que acontece a seguir...


  • Mr.Lis Says:

    Adooooreei!

    Fogo coitada da Melody mais velha...
    Da maneira que morreu....

    Agora a Melody mais nova ficou zangada...

    Adorei!
    Parabéns!


  • mmoedinhas Says:

    Pensei exactamente o que pensou a joaninha... Tinha uma leve esperança mas!... nao...
    Tão triste... Nao posso dizer que nao chorei um bocadinho...
    LINDO! As imagens, o texto, a forma de transmitir os sentimentos... *.*

    Agora tou preocupada com a relação do pai e da meldoy, sim...


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