Capítulo 47



Caminhei pelo corredor até chegar ao fundo onde a fraca luz emitida pelos candeeiros não chegava. Olhei para as duas últimas portas, e reparei que as vozes provinham da porta da direita, fazendo-me encostar a face à mesma, tentando escutar aquela conversa. Mas rapidamente me senti uma grandessíssima pateta, por me estar a esconder de pessoas que nem sequer me vêem. Abri a porta, e deparei-me com um quarto, que, pela sua decoração infantil e alegre, dava a entender que era de uma criança.
Olhei para todos os lados, e consegui avistar, sentados na cama da esquina do extremo do quarto, uma mulher e um menino. As suas feições gorduchas e indefinidas pela juvenilidade, óculos apoiados no pequeno nariz redondo. A sua cara não transmitia tristeza, mas também não transmitia uma felicidade e uma alegria contagiante. Olhava para a mulher, que provavelmente era sua mãe, com uns olhos ternos e brilhantes.
- Filho, tu tens de dormir! Olha só para as horas! – Exclamou a mulher com o seu braço a envolver os ombros da criança.
- Mas eu não tenho sono… e tenho medo dos trovões.
- Os trovões estão lá fora, não cá dentro! Agora dorme, Dave.



Foi aí que eu me apercebi quem era aquela criança. Só podia ser ele, já que me deparei com a Sarah, quase de certeza que era o Dave, e além disso, os seus olhos por detrás daqueles óculos não enganavam ninguém.
- Posso dormir contigo? – Perguntou Dave com um brilho visível de longe nos olhos.
- Tu já sabes que o pai não deixa, e além disso estás a ficar crescido, tens de te habituar a dormir sozinho!
A mãe de Dave começou a esfregar a sua bochecha que se encontrava incrivelmente negra, como sangue pisado. Estava com uma cara de nítido desconforto e os seus olhos semicerrados.
- O que é que tens na cara? – Perguntou Dave.
- Nada… não é nada filho. Foi só… huh… um acidente no trabalho. Isto passa! Agora dorme!
Dave já bocejava sonambulamente, aninhando-se nos seus fofos e coloridos cobertores, abraçando a sua ovelha de peluche que soltava um suave guincho quando era apertada.
A sua mãe empoleirou-se na cama e deu-lhe um suave beijo na testa, desejando-lhe boa noite. No minuto a seguir, encaminhou-se para a porta, onde apagou as luzes e saiu.
Boquiaberta, aproximei-me da cama e observei o Dave a dormir.



Estava ferrado no sono, com os braços imobilizados a abraçarem a ovelha de peluche. A sua respiração, lenta e ligeira, fazia-me lembrar de quando eu era pequena, que nas noites em que sentia medo de tempestades ou que simplesmente não conseguia dormir, fechava os olhos e aconchegava-me confortavelmente nos cobertores, pensando em coisas alegres e divertidas, e imaginando-me dentro desses pensamentos, contudo, sabia que se abrisse os olhos, já o escuro e a forte tempestade me cobriam os olhos de medo e receio, portanto nem me atrevia a abri-los. Uma sensação de que me lembro tão bem, como se a tivesse vivido no dia anterior.
Ao olhar para o Dave, tinha uma pequena ideia de que ele sentia exactamente o mesmo, pois não mexia nem um músculo e nem abria os olhos, desenhando o leve sorriso na cara.



Aqueles minutos, que pareceram horas, de silêncio foram rompidos por um grito de uma mulher. Um grito bastante alto que fez acordar o Dave num sobressalto.
- Mãe? – Murmurou.
Saltou da cama, trespassando, incrivelmente, o meu corpo, como se não passasse de fumo. Abriu a porta provocando um leve chiar vindo da mesma. Correu com as suas pequenas pernas pelo corredor, chegando à primeira porta do mesmo. Era de lá onde vinham os gritos.
Dave aparentava agora uma expressão apavorada e receosa. O sorriso que se salientava da sua face na cama, tinha sido rapidamente aniquilado, vindo um pavor e um medo sobrenatural a substituir.
- Mãe? – Repetiu Dave, com a sua, quase inaudível, respiração muito acelerada.
- Não! Não! Robert, por favor! Eu suplico-te nã… - A sua mãe não tinha concluído a sua sofredora frase persuasiva pois rapidamente se ouviu o som de um estalo, fazendo-se ouvir o estrondo do seu corpo a cair no chão.
- Tu vais aprender… - Vociferou uma voz masculina vinda do interior do quarto, os gritos, choros e súplicas quase a abafarem-lhe a voz. – Que quem manda aqui, sou eu!
Dito aquilo, ouviu-se outro estrondo, desta vez, abafado por estilhaços a estenderem-se pelo chão.



Dave levou a sua pequena mão ao peito, com os seus olhinhos arregalados pelo medo.
Eu, não me limitei a permanecer naquele corredor a ouvir os gritos e, dado o facto de que eu não passava de um fantasma, interceptei a porta, como se esta não passasse de uma fina nuvem de fumo.
Quando entrei no quarto, o cenário foi aterrador.
Densas gotas de sangue sujavam aquele chão de madeira envernizada, o espelho que se achava encostado à parede estava tombado, rodeado de estilhaços cortantes. E a mulher, completamente desfigurada. A sua cara coberta de sangue, a sua maquilhagem esborratada, a sua roupa rasgada, as lágrimas a brotarem dos olhos caindo sobre os lençóis de sangue que em sua volta se estendiam.
- P-Por favor… p-pára… suplico-te… - Rastejou a mulher, mas mais um bruto estalo se rompeu na sua face, fazendo-a cair sobre os estilhaços do espelho.



O homem, com os seus olhos verdes muito claros, o seu cabelo loiro esbranquiçado e o seu robe verde com padrões florais manchado do sangue da sua mulher...
- Isto foi uma amostra do que tu vais receber se me voltares a desobedecer! Eu disse-te, que o puto tinha de se tornar um homem, mas não, lá foi a boa mãe conforta-lo com os seus medos e pesadelos!



- Ele estava a chorar… Robert… - Soluçou a mulher, erguendo custosamente a sua cara repleta de golpes provocados pelos estilhaços.
- ELE QUE CHORE! ARGG! – E com isto, um pontapé embateu na barriga da mulher.
A mulher estendeu-se pelo chão manchado de sangue, inconsciente.



O meu coração já se salientava da minha camisola. Embora o medo e a ânsia estivessem a tomar conta de mim, uma ponta da raiva e incompreensão invadiram-me os pensamentos.
Porque razão aquele assustador e sinistro homem agredia a sua esposa daquela forma, por uma razão de afecto e carinho entre ela e o seu filho? Porquê toda aquela raiva?
Ajoelhei-me diante da mulher, estendida naquele chão. Eu estava com a cara visivelmente pálida, e estremecia como gelatina. Olhei para o lado, e vi que o homem se preparava para sair daquele quarto… eu aguardei o pior.
Levantei-me rapidamente e corri até à porta indo ter ao corredor. O homem já fitava o pequeno Dave, com uma cara enraivecida.
- Não… - Murmurei.
O homem agachou-se com uma cara apática, e com um tom de voz, quase agradável, embora irónico, sussurrou:
- Estavas a ouvir a conversa não estavas?
- N-Não… não papá… - Disse o Dave com uma voz trémula.
O homem levantou-se, agora com a respiração acelerada e enraivecida, como um touro pronto para atacar.
- Estavas… - Vociferou.



E dito aquilo levantou a sua pesada mão, pronta para atacar o pequeno Dave.
- NÃO! NÃO, POR FAVOR, NÃO! NÃO! O DAVE NÃO! NÃO FAÇA ISSO! TENHA PIEDADE! NÃO! – Gritei com todas as minhas forças, mas não me adiantava.
A sua pesada mão embateu na pequena cara do Dave, seguida de um, quase inaudível, guincho por parte da criança.



4 Response to "Capítulo 47"

  • Diogo Says:

    ADOREI TANTO! Assim que ele perguntou o que ela tinha na cara soube logo! Adorei! Ela está a ver os passados de todos so falta o dela e o do Jake sendo assim certo?
    LOL ADOREI TANTO MESMO!


  • João Says:

    Lindo!
    Lindíssimo!
    Retrataste tudo mesmo muito bem! Eu quase que fiquei com medo do homem.... Estava mesmo "dentro" da história!
    Mesmo fixe!
    Espero por mais! *-*


  • Mr.Lis Says:

    Adorei o episódio =D

    Que horror!
    O homem e mesmo bruto...


  • mmoedinhas Says:

    Ok tudy prepara-te para um grande testamento:

    OH MEU DEUS!!!! O DAVE ERA COISA MAIS FOFA EM CRIANÇA! CRIANÇA MAIS LINDA ELE! Tem medo dos trovoes ele... *.* coisa mais fofinha...
    Agora percebo o problema de comunicação dele... Não pode, nao pode... Seu c***** estupido! Nao magoes o Dave! Ai! Eu tenho de inventar um mecanismo que me faça entrar na historia!!!!! Dave espera por mim eu salvo-te coisa fofinha! Argggggggg!!!!!

    Com aquela coisa da Sarah ser orfã fiquei sem ninguem para odiar nesta historia mas agora tenho o pai do Dave... Que va para o inferno!!!!!!!!

    Nao consigo pensar direito! jURO-TE! FIZESTE-ME ENTRAR DENTRO DA HISTORIA! ADORO A TUA MANEIRA DE ESCREVER! Quase senti o medo do Dave, o desespero da melody e a fúria do pai...

    OMG! Melody já que és fantasma vai assombrá-lo! Faz qualquer coisa! Uma maldição sei lá...

    Estou toda trocada, já deves ter visto por causa deste comentário, nem escrevo direito nem nada...

    deg deg

    P.S: Dave aguenta!!!!!!!!!!


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